quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Cento e vinte dias

A distância me fere
O seio cheio
Leite suor e lágrima

Você grita pela casa
o amor que quero dar

Nosso querer recíproco
Olhar, tocar, beijar, cheirar, mamar

Você busca, chama
Chama que arde minha alma

Quem é capaz de escutar
De ver a magia no nosso encontro
A distopia da separação

Uma só alma
Rachada, quebrada, partida

Que se recompõe a cada fim de tarde
Para se destroçar na manhã seguinte

Ilhabela, 23 de janeiro de 2017.

Meu bebê iria completar seus nove meses, e desde que ele tinha cinco e meio eu o abandonava diariamente à 7:30 da manhã. Ele aos berros, eu sustentando um sorriso falso. Ficava com o pai desempregado. E eu ia "bater o dedo" e cumprir horário num emprego em que eu me sentia constantemente subjugada. Me machuca saber que isso foi uma opção, é verdade que pagar o aluguel e as contas é uma demanda real, mas eu poderia abandonar o emprego e ir morar com meus pais. Mas eu optei por sofrer diariamente a violência de deixar o bebê sem a mãe todos os dias, muitas horas no dia.
As leituras sobre como bebês são fusionados com a mãe, a gestação externa, a importância de um ambiente tranquilo e amoroso, a formação do cérebro, a construção do vínculo, o efeito tóxico do estresse etc me deixam muito mais insegura e frustrada.
QUATRO MESES
Desde que o bebê nasceu, não antes disso, eu sofria com esse prazo. E não era a toa. Não consegui relaxar, o fim da licença maternidade foi um fantasma constante deixando meu puerpério ainda mais sombrio. E pode ter sido isso que o bebê manifestava em choros estridentes. É como aquele sentimento esquisito que acompanha um calafrio subindo pela nossa coluna, quando no silêncio do quarto, deitada na cama pensamos "eu vou morrer" e essa morte é tão real que nosso coração dispara para provar que ainda vive. "Vai acabar a licença" e o bebê não ergue o pescoço, não fica mais de uma hora sem me solicitar. Como vai ser pra ele esse sumiço brusco?
CENTO E VINTE DIAS
É o período que as instituições acreditam ser suficiente para um ser humano conseguir viver sem a mãe. Que a mãe depois de parir já consegue voltar à suas atribuições. Assim como se nada tivesse acontecido. Como se sua alma não tivesse em frangalhos, como se seu corpo físico não tivesse modificado, o seio vazando leite. Me senti bem insegura: será que nunca mais vou conseguir ler e escrever como fazia antes do parto? O raciocínio lógico, linear, lincar textos, notícias, fatos me escapava pelos dedos. Fiquei até um pouco feliz, só conseguia expressar sentimentos pela poesia, mas insegura, por não saber quem eu seria sem a habilidade ler textos complexos. Me surgiu a oportunidade de trabalhar com uma chefe que eu tenho muito mais afinidade. Uma pessoa humana, que valoriza o diálogo e olha no olho quando fala. Me lembro exatamente o dia que consegui ler um texto até o fim e compreendê-lo e falar sobre ele. 15 de março, o Gabriel tinha 10 meses e meio.
Hoje, nesse momento, estou num trabalho que gosto. O Gabriel fica na creche pela manhã, desde um ano, acho precoce. Ainda assim, quando minha amiga voltou pra Ilhabela, tentar reassumir seu emprego e no segundo dia estava absurdamente estressada eu apoiei sua exoneração. "Sempre quis um emprego público" ela me disse enquanto assinava o pedido. E tinha sentimentos muito contraditórios. Por um lado eu estava feliz por ela, e sentia até um pouco de inveja que poderia viver em plenitude a maternidade, por outro uma dúvida sombria me impedia de sorrir e aplaudir. Seria positivo abrir mão do trabalho? Ela que atuava com louvor na área que havia se formado, uma assistente social humana, empática, agora se queixa de estar desempregada e não contar com o próprio dinheiro pra comprar um grampo.
O Gabriel e o Joaquim e tantos e tantos outros bebês são privados de viver uma convivência harmoniosa e plena com suas mães tranquilas, seguras e satisfeitas.
Quatro, seis meses é um período ridiculamente curto quando se trata de puerpério, de convivência entre mãe e bebê. Por isso muitos países já adotaram licenças que ultrapassam um ano, e isso não acarretou uma influência negativa em suas economias. Porque não se trata disso.

A decisão política de manter um período ínfimo de licença maternidade é machismo.

Não é sobre o quanto o saber de uma mulher faz falta no desempenho de sua função.

Não é sobre o impacto econômico de pagar o período de afastamento.

É violenta, burra e prejudicial, social e economicamente.