sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Me recuso a sentir vergonha do meu corpo

Murmúrios.
Imagens de revista.
Olhares assustados.
Discriminação.
Silêncio.

Indícios de que eu deveria sentir vergonha do meu corpo.

Deixei de me depilar quando percebi que o poder de decisão sobre meu corpo pertence a mim.

E faço simplesmente porque não gosto da sensação de perda de tempo, não gosto da dor da água salgada cicatrizando os microcortes, não gosto de monitorar o crescimento de pelos, não quero usar meu dinheiro com isso e por outro lado não me incomodo com eles. Me parece tão simples, razoável e coerente.

Tem dias que acho até engraçado imaginar alguém falando do pelo de outra pessoa! Eu rio imaginando um sovaco como pauta de conversa maliciosa "nossa, vc viu a sovaca dela?" hihihihi "puxa, que cabeluda" hohoho "imagine lá como não é?!" hahahahohoho "o namorado isso e aquilo"... E talvez a conversa possa ir longe onde só a podridão humana pode alcançar....

Outros dias, não tão bons, eu fico com pena. Pena dos guardiões do padrão hegemônico de beleza. Pena de quem se deixa oprimir e reproduz a opressão. Pena de quem não se liberta para viver o próprio corpo. Pena de quem precisa se fantasiar de boneca para manter uma relação.

Mas, nem sempre o mar está pra peixe. E existem alguns dias. Alguns poucos dias, que eu vacilo. E sinto uma enorme pressão de ter vergonha. Vergonha do meu corpo. Do meu uso do meu poder de decisão, reflexão.
Porque eu sou assim?
Por alguns segundos penso que eu tenho o poder de decidir mudar, me depilar, alinhar os dentes, tratar as manchas da pele, adequar o cabelo e a roupa. Só que eu não sinto tesão nenhum de fazer isso. E poucos segundos depois o mundo já me mostra infinitas possibilidades mais prazerosas do que ficar raspando uma porra de uma lâmina fria por toda a minha perna.

E porque diabos eu deveria ter vergonha do meu corpo?
Para que serve um corpo?
Pra agradar a quem?

Eu sinto vergonha.

Sinto quando faço um comentário maldoso. Quando no escuro do quarto, cansada de trabalhar não respondo com aquele carinho e paciência à enésima solicitação manhosa do bebê. Sinto vergonha quando minha resposta sai mais ríspida e atravessada do que a ocasião pede. Sinto vergonha quando me omito para não me indispor. Sinto vergonha quando me pego me imaginando na vida do outro.

E acho que são vergonhas muito mais nobres.
E teria vergonha se jugasse e murmurasse sobre a aparência física de alguém.

Dessa vergonha eu não sofro mais ;)