Faltando dois dias para encerrar minha licença maternidade, impossível
não me perguntar
“como me meti nisso?”
Tentei desesperadamente, ao longo desses 4 (sim, míseros 4) meses
ignorar o fim da intima convivência com meu filho. Mas chegou. Juntei 15 dias
de amamentação, com 30 de férias, como se fosse um divino presente do qual eu
devesse ser muito grata, mas acabou. Segunda feira volto a rotina, 1 hora de
deslocamento, 1 de almoço, 8 de “trabalho” e lá se vão 10 horas do meu dia. 10
horas longe do meu bebe, que ainda é extremamente dependente de mim. Estive
esperando por um milagre, que ele fosse um prodígio que se alimentasse sozinho
e não precisasse do cheiro, da voz e do ritmo cardíaco do casulo que lhe gerou
a vida. Mas não, ele não é nenhum prodígio, é um bebe de cinco meses e meio que
fica assustado longe da mãe, procura o peito para se alimentar e não consegue
dormir sem se sentir absolutamente seguro. Cada vez que eu olho as horas um
arrepio frio percorre minha coluna e se concentra nesse enorme nó formado na
minha garganta, penso “eu já teria saído” e “eu ainda não teria chego”,
enquanto ele mama, me olha, me toca, me cheira, me ri, me chora, me dói, me
escorrem as lágrimas graves, espessas. Eu deveria ficar feliz que ele vai poder
ficar com o pai, mas só consigo sentir revolta.
Eu, formada em oceanologia, mestre em gerenciamento costeiro, vou voltar
para o CRAS, no meu emprego de nível médio, ganhando 2 salários mínimos. E
volto a me perguntar,
como cheguei aqui?
Retomo todas as escolhas que me guiaram para tentar descobrir se vale a
pena seguir nesse "caminho que eu mesma escolhi".
Oceanologia, excêntrico! Foi por me sentir tão deslocada da sociedade.
Estranha na família, estranha com amigos, sem saber lidar com pessoas, sem ver
sentido na sociedade, e achando que o problema era eu. Que curso maravilhoso,
interessantíssimo, com colegas maravilhosos e um buraco. Aprendi a usar a
biblioteca, criei gosto por estudar. Mas, depois de formada fiquei meio
perdidona sem saber bem o que fazer com aquele papel bonito, chamado
diploma.
Primeira crise.
Mestrado é o que (quase) todos fazem. Eu queria esperar meu companheiro
se formar, gostava da nossa rotina, da nossa casa, do nosso bairro, de acampar
no mato. Gerenciamento Costeiro foi uma opção menos academicista. Li Paulo
Freire, Henri Ascelrad, Pierre Clastres, Henry Thoreao, Tolstoi, Gandhi, La
Boétie, clube de roma, me envolvi com a turma de Educação Ambiental, grupo de
estudo sobre o poder, fiz teatro, coral, vi a revolta contra a copa. Tapei o
buraco, meu ser político acordou com uma fome monstruosa, comendo tudo a sua
volta. Minha dissertação se transformou num caderno vermelho que objetivamente
desacreditava o “selo verde” de “pesca sustentável”, e entendi o horror por
trás da palavra Mercado.
Segunda crise.
O papel bonito perdeu todo sentido, não me identifiquei como oceanologa,
não alimentava meu ser politico, me distanciava do que eu precisava. Pensei
cursar sociologia, talvez devesse. Mas o pânico de seguir eternamente
desempregada – o que dificulta sentir a segurança necessária à uma taurina para
constituir uma família – me fez buscar um emprego em algo social. Orientadora
social! Concurso de nível médio. Quanto mais eu lia sobre a Política Nacional
de Assistência Social mais me apaixonava, me identificava. Fui tomada por uma
vontade incontrolável de passar meus dias juntando prática com teoria e de
forma lúdica, prazerosa e criativa empoderar as massas oprimidas que se amontoam
na periferias. Pimba! Vim parar em Ilhabela. Enredada numa politica confusa.
Passados 12 meses não empoderei porra nenhuma, talvez tenha até perdido um pouco
do poder sobre eu mesma. Terei que voltar pra esse cenário onde o poder é
totalmente desarticulado da execução, não há escuta, há uma gestão top down,
aparentemente sem plano nem conhecimento técnico, teórico. E o pior, às custas da saúde
emocional do bebe que me foi confiado.
Terceira crise.
Hoje, depois do seu primeiro (e desesperadamente precoce) banho de mar,
ouvi encantada a gestante, mãe de uma guria loira de 2 anos, que nadava nua e
se entrosava com todo mundo da praia, como era sua vida no sítio, sem escola, sem
emprego, sem internet. Com tempo, com vínculo, com Vida.
Nesse cenário me pergunto aflita, com as costas tensa, a garganta rota, os olhos marejados. Será que eu ainda acredito na Politica Nacional de Assistência Social?
Será que eu ainda acredito em uma revolução suave partindo do Estado? Ainda
mais depois do impeachment? Será que tenho outras opções?
Tenho medo da mãe que o cansaço pode me tornar,
muito medo, da mãe que eu não quero ser, medo da saudade da mãe que eu sou e
dos momentos que não viverei, dos momentos que o bebe não viverá. Tento juntar
forças para lutar. Lutar por 6 meses de licença, lutar pela humanização do
Estado. Mas me vem uma dúvida, vale a pena? É possível? Talvez a única coisa
real seja o alimento crescendo no solo e os momentos vividos com vínculo e
liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Nos eduquemos juntas.