terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Um pedido de natal

O tio Hugo é um homem forte de espírito sólido. É isso que ele simboliza pra mim. Acontece que me tocou viver numa sociedade capitalista, na qual a luta de classes é invisibilizada, especialmente no meio em que cresci. Entre a porção da classe trabalhadora que delira,  uma porção de gente que sonha todos os dias em se tornar burguesia (classe capitalista). A classe trabalhadora bem remunerada que não produz mercadoria. O que se convencionou chamar classe média. Foi nesse meio de gente que fui crescendo e ouvindo as faltas dos meus ancestrais, ouvindo dia a dia uma ladainha que me fragilizava. Que fragilizava  a imagem do meu tio e escondia sua força e sabedoria.

As ideias não precisam de palavras. Elas entram pelas miradas. Eu mirava, mais do que era mirada, e isso foi o bastante pra fortalecer o meu espírito, sem que eu nem sequer imaginasse. Caí no mundo sem a potência que eu intuitivamente sabia ter. A racionalidade me fechava a porta. E quando se tratava da minha história eu era posta no lugar frágil da falta. 

E assim como no natal um enorme patriarca fantasiado silencia o homem corajoso que inspira mentes por séculos, as palavras "violência, loucura, promiscuidade, alcoolismo, pobreza, homicídio, feiura, vulnerabilidade" foram postas na minha história e silenciaram a força, a potência, a resistência, a camaradagem, a coragem, a autenticidade dos meus ancestrais. Mas esses valores são maiores que quaisquer palavras justapostas numa narrativa hegemônica e me chegaram, como um legado, me entraram pela mirada corajosa do espírito que quer vida. 

E eu resisto, resisto e desfruto. Desfruto do prazer de me reconhecer classe trabalhadora, e por isso mirar os iguais e ser mirada pelos corajosos. Anseio pelo dia em que nos reconheceremos fortes para juntos dos libertarmos dessa ardilosa opressão.