terça-feira, 30 de agosto de 2022

A luta de nós todos

Sonhei que estava submersa. Afundando. Como aquele instante em que o impulso do pulo nos afunda enquanto o empuxo se contrapõe e sabemos que inevitavelmente voltaremos a superfície. No sonho esse instante se demorava. Pois o sonho iniciou, ou a consciência do sonho começou exatamente dentro da água. Não no alto observando a superfície da água, calculando a hora e o modo de me atirar. Não. Foi de baixo d'água, e enquanto estava lá, eu pensei que para estar afundando a tanto tempo deveria ter pulado de muito alto, e me perguntei como tive coragem. 

Estamos submersos e uma força grande e desconhecida nos faz afundar quando o natural seria o empuxo nos levar para superfície. Ouvi o termo "contra-revolução preventiva". O mínimo esboço de avanço é combatido de formas diversas com uma força imensa. Como os bebês de berçário que param de chorar por não serem atendidos, um estado apático cresce conforme mais consciência da amplidão da biopolítica, do agravamento e das possibilidades remotas de superação.

De ante mão já sabemos que não adianta. Já sabemos as limitações e as repressões, às vezes nos surpreendem por serem mais brutas e mais drásticas do que calculávamos. E então é isso, pra cada ação, por mais insignificante, reações. Mais bárbaras quanto maior a consciência de quem pratica. E a racionalidade ao contrário de nos fazer avançar, nos prostra, mais e mais. 

Pode assistir televisão, jogar video-game e comer da indústria, usando remédios para domesticar o corpo rebelde. Quem não pode assistir televisão, porque não é branco o bastante, pode querer assistir televisão, pode querer um celular melhor, com internet e joguinhos. É isso que o sistema capitalista tem a oferecer, distrações pasteurizadas, corpos inertes, mentes letárgicas. Esse é o fluxo hegemônico da inercia que a tudo arrasta. Para viver o não isso é preciso enorme esforço, buscar e fazer acontecer, com pouco espaço, nulos recursos, e atenção, muita atenção com a linha. Além de desapego com os resultados. Os problemas que enfrentamos são enormes, mudança climática, déficit hídrico e energético. 80% da energia usada nos EUA vão para o departamento de defesa, uma hora de voo de um caça emite tanto gás de efeito estufa quanto 30 anos de um carro popular. O que nos liberta de exercer ações coercitivas entre nós. Cancelar o colega que tem uma banheira... O "fazer a sua parte" toma uma outra dimensão. Uma vez que nossas ações individuais não terão um impacto real na macro política estamos libertos do fazer com essa obrigação. Nós podemos fazer por, com prazer! Esse prazer em desfrutar das relações humanas, com que está do nosso lado, materialmente. 

Eu não estava embaixo d'água. Eu estava sonhando que estava embaixo d'água, e segurava minha respiração. Quer dizer, meu corpo segurava a respiração e foi meu corpo indômito que tomou o ar, e no sonho eu respirei embaixo d'água. Ainda tinha medo de me afogar, por isso respirei bem pouquinho, pensando estar sorvendo a porção de oxigênio dissolvida e com esse pouquinho de ar parei de esperar pelo empuxo e fui nadando para superfície, onde poderia respirar todo o ar que meus pulmões são capazes de sorver.

A gente só precisa de vencer uma vez. A vitória é absoluta. Os fracassos, por serem pontuais e temporários serão muitos.