quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Portas estreitas

 O processo de me identificar como classe trabalhadora tem sido a autoleitura real, me percebo amadurecendo. E envolve tantas autopercepções, é como se também fosse aceitando minha condição humana. É bruto e árduo, abandonar o lugar de princesa protegida (um nada, silenciado e oprimido) para ir assumindo o lugar de mulher, um ser humano adulto, que tocou viver em uma sociedade rachada. E que fora do imaginário, não tenho lugar na realeza. O principal foi deixar de querer estar nesse lugar, e lutar pra sair desse castelo psíquico. Esse lugar que ainda ocupo em alguns imaginários. Vou aos poucos botando meus pés no chão, e percebendo as miradas de quem nasceu fora do castelo. Nessas miradas vou cuidando de construir morada.

Tenho vínculos dentro do castelo, tenho miradas que me são caras. São as vozes que me alertaram que as sólidas paredes abrigam, mas excluem e separam. Eu gosto dessas pessoas. Mas, não gosto de entrar no castelo, mesmo que seja para discorrer sobre como quebra-lo. Quem sabe o castelo só possa ser quebrado de fora pra dentro. Aqui fora busco as miradas, alguns ignoram o castelo, alguns admiram, há quem conheça os porões e por isso temem. Esse castelo domina a paisagem, rouba o sol, faz sombra, eu digo segurando uma marreta. Há quem esteja com a marreta na mão, pronto pra usar. Mas somos poucos e conhecemos a espessura das paredes, há entre nós quem conheça a pontaria dos soldados que protegem o castelo. 

O castelo permanece. Ereto, sombrio, com muita parede e pouca porta. 

Eu já não quero estar nos seus jardins mais sublimes - e inacessíveis. Eu já não quero reproduzir esses jardins imaginários que poderiam elevar os excluídos. Eu quero a mata selvagem que aparecerá quando o sol bater no chão.