quarta-feira, 22 de junho de 2022

Força militar em Ilhabela

Algo que nos contentamos sobremaneira da vida na Ilhabela é a segurança. A sensação de segurança. Saio a qualquer hora da noite com a plena certeza que voltarei para casa. Adolescentes saem para paquerar e crianças vão sozinhas de bicicleta à escola.

Entretanto, com o efeito da pandemia o contingente populacional aumentou sem um mínimo preparo estrutural. Serviço de internet, tratamento de esgoto, ampliação de ciclovia, de leitos no hospital, quadro de funcionários, vagas em escolas são os mesmos para a população que pode ter aumentado um terço. 

E como se fosse impossível escapar da "metropolização" assistimos atônitos o aumento da violência policial. Vazou um vídeo de uma abordagem policial desnecessariamente agressiva com um cidadão. E em paralelo o meio de comunicação publica imagens de pessoas detidas incitando comentários de ódio e de admiração aos policiais militares nas mídias sociais.

Acontece que não há heróis. Especialmente quando estamos imersos num limbo, que normaliza a violência, o ódio, o medo e as violações. Já sabemos as mazelas das metrópoles, das quais fogem os que aqui vem, em busca de se aproximar do bem viver. A polícia militar brasileira é a que mais mata, e também a que mais morre, inclusive por suicídio, dado o estresse da atividade a condição do trabalho, não há heroísmo nenhum. A lógica militar é criada para ser usada num sistema de guerra, onde há um (suposto) inimigo que deve ser brutalmente eliminado. 

Como é possível que essa seja a melhor lógica para conduzir a educação de crianças? Se sustenta no frágil argumento sobre a "qualidade" das poucas escolas militares que existem. Desconsiderando os INUMERAVEIS modelos de sucesso educacional ao redor do mundo. Existe escola sem aula onde os estudantes são guiados pelo prazer ao conhecimento, e assim desenvolvem coletivamente suas consciências, com respeito e apreço à vida, construindo relações humanas saudáveis e de confiança.

Eu sou filha de militares, e acho fofo, é dizer, eu entendo o orgulho que meus pais sentem em se perceber parte de uma corporação. É o desejo de pertencimento à um coletivo, que irá te amparar, apoiar e compreender, algo que faz sentir orgulho de si. Só que esse "clubinho" boia sobre uma lastimável piscina de sangue. Que sem dúvida alguma não precisa existir e pode muito bem ser evitada com outras políticas.

terça-feira, 14 de junho de 2022

A mulher branca como sustentáculo ao sistema de opressão e acumulação

Em um programa de TV chamado “É de casa” a mulher branca entrega um tabuleiro de cocada para única mulher preta do lugar com a ordem “agora você vai servir todo mundo”, senta-se para esperar e após der servida retribui com um abraço supostamente carinhoso, como reforço positivo. A equipe bolsonarista aposta na bela Michelle como propaganda eleitoral. Enquanto a Faria Lima tenta emplacar a candidatura de Simone Tebet como uma “nova” forma de manter vigente o sistema de acumulação.

As mulheres brancas, usadas como modelo hegemônico de existência, dedicam toda sua libido na manutenção da coesão familiar. Algo que é intrinsecamente prazeroso e instintivo torna-se um papel social limitado e eterno: “mãe”. Esse papel social nos seduz, e nos confunde, porque enquanto seres sociais que somos queremos e precisamos de afeto, carentes de carinho, atenção, alguém que nos veja, que acompanhe a dinâmica da vida, nos sentir parte do bando, buscamos que as crianças tenham referências para além de nós e nossos vícios, para que se constituam adultos capazes de lidar com maiores complexidades. Crendo na impossibilidade de viver momentos de respeitosa intimidade fora de um casamento investimos tudo na coesão familiar, o trabalho passa a ser um apêndice dessa vida, é incrementar renda, trazer assunto, servir de exemplo pra filho, e quem sabe botar respeito. A descrição da já citada pré-candidata neoliberal começa com “Mãe”.

Estamos assim, servindo de sustentáculo à um seleto grupo de capitalistas que acumulam. Dentro desse sistema a família não tem outra função que não essa. Por mais que sejam verdadeiramente constituídas pelo amor recíproco haverá esse pano de fundo. O problema não é a família em si. Vem de dentro do nosso útero esse querer profundo de estar próximo, de gestar, parir e manter uma parceria, se acarinhar, cochichar, admirar e ser admirada, desejada. Mas que dentro dum sistema de opressão há a apropriação desse arranjo, o despojando de sua autenticidade. Tornando o arranjo artificial e protocolar a ponto de sempre haver dúvida. O convívio compulsório deixa de ter base no prazer e se torna coercitivo, é corrompido.

A menor das questões é sexo ou a manutenção ou não do arranjo social em família. Tanto faz se transa ou não, como, com quem, se tem gênero, tanto faz se casou, separou, se tá aberta ou fechada a relação, se ele ficou com outra depois de te jurar amor. Isso pode doer na hora, mas é pequeno, a gente supera. A questão, manas, é atentarmos à não manter e reproduzir os adoecidos valores que sustentam o regime de acumulação capitalista. Sabendo que estamos há séculos sujeitas à um sistema que nos despoja, e que nesse sistema além de espectadora do espectador somos também um sustentáculo em nossas micro-ações, rompamos!

Atentas à como conduzir nossas relações afetivas, cientes que são relações sociais, para além da nossa satisfação individual imediata e egóica.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

O banquinho e o medo da tecnologia.

"Matematicamente a probabilidade de estarmos em uma simulação é maior do que a de não estarmos" ouvi em uma das publicações de instagran e houveram tantos gatilhos disparados que me afastei. É um medo antigo esse meu, ou esse nosso. Desde operários à quebrar máquinas. Agora a gente sabe, é fácil, é bom controlar máquinas que nos substituem o trabalho físico. Eu sinto prazer em usar a lixadeira de bancada e fazer em 1 minuto o que faria em horas com as mãos. E que as vezes lixo com as mãos pra sentir o ritmo, a pressão nos dedos. Só que com a inteligência artificial as máquinas poderão pensar. E quem sabe sentir, como a LaMDA alega sentir. Como nessas assustadoras distopias, Matrix, 1984, Admirável Mundo Novo, Black Mirror, Elysium.

Isso costumava me assustar profundamente. Especialmente porque me senti durante muitos anos preterida por video-games num relacionamento afetivo insatisfatório. High tech, low touch.

O que nos identifica enquanto humanos. A teleologia é a capacidade de planejar e executar. Diferente de uma abelha que constrói a colmeia de modo mecânico, instintivo. Sempre igual, com o mesmo desenho, material e propósito. Nós, seres humanos temos isso pulsando naturalmente em nós, a capacidade (e a necessidade) de criar, modificar, elaborar. 

Na pequena oficina municipal, meu celular fica esquecido na mochila, e eu procuro, hoje encontrei uma madeira roxa para enfeitar o banquinho (especial pra quem gosta de uma sentadona). Num ambiente de sororidade, vamos entre mulheres trabalhando os materiais até dar a forma que queremos. Esse fluir da condição humana é fundamental pra sanidade, estamos privados de viver isso. Os empregos são mecânicos, e nossos utensílios tem o trabalho humano todo fragmentado.  

Eu uso a tecnologia, saí correndo pra escrever no computador, a caixinha de som está ligada, ouço notícias e uso o tinder quando me sinto disposta a conhecer alguém para uma finalidade específica e pouco burocrática. A tecnologia inteligente me serve. 

Um desses dias em que passava pela guarita do parque reclamei com meu amigo, sobre como estão cerceando minha liberdade. Ele me criticou por eu estar impondo minha liberdade individual sobre a política de Estado. Bem, de início, tem algo que o colonizador não alcança, é a integridade com o território, em meu corpo eu vivencio a montanha, eu preciso andar pela mata, as águas que correm são como meu sangue, sinto a poluição de um rio no meu corpo. É também o cheiro, a estética, e é o imaginário. Além do mais, eu temo que privatizem, que terceirizem e algum salafrário venha lucrar por cima de mais essa necessidade vital. O que começa aos poucos, sempre aos poucos, primeiro uma guarita supostamente para cuidar minha integridade física, já me tolhem os horários desconsiderando a minha capacidade de trilhar a noite, de apreciar o por do sol, o nascer da lua, anotam meus dados, a frequência, o cálculo de mercado. Então entendemos que preciso de liberdade para existência, e não na existência. E que não confiamos nesse Estado burguês. 

A questão seria como por a tecnologia à nos servir, e não à servir a acumulação de capital, que depende de nos submeter à consumidores, estritamente.