É sabido que a lógica de dominação e exploração se mantém graças à sua reprodução nas células e núcleos familiares. O patriarca tem o poder, e ao longo de sua jornada, bebês e meninos vão encontrando todo o incentivo e sinais para moldar sua arquitetura psíquica e quando chegar sua vez de exercer o poder sobre “os seus” fazê-lo em nome de um “amor” possessivo e dominante.
Havemos de reconhecer a existência
de exceções, não me refiro àquelas em que o patriarca tem sexo feminino e usa
esmaltes. Que embora não tenha junto a si a força militar, vinda da força
física, das notícias de feminicídio (o Brasil registra um caso de feminicídio a
cada 7 horas*), ainda assim é corrosivo e destrutivo. Proibindo que o filho
mantenha relações amorosas saudáveis para além do núcleo. As exceções são os
pais amorosos que fomentam os vínculos externos.
Esse livro, literatura nigeriana, traz um pai (pequeno burguês, dono de uma fábrica de biscoitos) dominador e possessivo, que sob o pretexto de proteger os filhos dos perigos do mundo pagão afasta o filho e a filha de sua terra natal, onde vive a tia alegre e amorosa que mantém uma vida comunitária ativa. Ele castiga o filho e a filha por supor que gostam da tia pagã. Ele age no sentido de controlar, monopolizar e dominar as emoções e pensamentos das crianças. Atua para que não haja diversidade, nem soberania nos amores e vínculos, que haja apenas ele e seu domínio imperialista.
Não se trata de um mal de nossos
tempos atuais ou de nossa natureza humana. A marxista Silvia Frederici busca
esmiuçar o tanto que as violências destroem a cultura comunal. O estupro apoiado
pelo emergente estado burguês rasgou o tecido social, destruiu os vínculos de
parceria, fragmentou a percepção de coletividade e favoreceu a exploração da força de trabalho para acumulo de riqueza. Nas páginas do Calibã e a Bruxa refletimos o tanto que a inserção do
castigo às crianças nas colônias corrói culturas pautadas no amor e na
liberdade, e vai impondo ardilosamente a lógica de dominação pelo uso da força.
A cultura do estupro pra além do
dano causado ao indivíduo sustenta todo o arranjo social de apropriação,
acumulação, exploração, dominação. Arranjo que pra além de tornar nossas vidas
(ou ao menos a vida de 99% da população) menos pujante do que pode ser, e ainda
ameaça a existência da vida em suas diversas formas. Florestas tornam-se
deserto, oceanos tornam-se deserto, o clima cada ano mais extremo e hostil.
Quanto mais raro mais caro. E 1% dos seres humanos querem mais. E ganham mais,
na medida em que um homem recusa consolidar uma relação de profundo respeito,
amor, parceria e admiração com uma mulher. Invés disso, se ocupa em destruir a
vida e o amor que desprendem de seu canto e seu sorriso.
Amemo-nos.
E mantenhamos nosso amor, minhas
irmãs. Sigamos amando nossas crias, sigamos amando a vida, sigamos amando-nos
umas as outras, aos pássaros, às baleias, à natureza selvagem, à sabedoria
ancestral, e aos seres humanos. E sigamos lutando com ódio contra as violentas
opressões.
* https://catracalivre.com.br/cidadania/brasil-registra-um-caso-de-feminicidio-a-cada-7-horas/