sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Gestar e parir na sociedade do estupro

 O gerar e o parir são vivências de extrema potência. 

Cada gestação é única e cada parto é único. Imaginem só que mesmo algo tão preciso como o tempo perde o poder. A gestação pode durar de 24¹ até 53² semanas (!). A partir daí tudo pode acontecer, bolsa romper e ficar dias rota sem prejuízo algum, bolsa que não rompe e o bebê nasce empelicado, trabalho de parto de minutos, ou dias, orgasmo no expulsivo! São todas possibilidades.

"Cientifizamos" o parto e nossa ciência não sabe lidar com a diversidade e incerteza. Queremos garantir que tudo ocorra bem, ninguém quer assumir a responsabilidade de tomar uma decisão ruim num momento tão agudo da existência. E então a responsabilidade fica em protocolos que buscam dioturnamente normalizar com médias, "via de regra"... Numa ansiedade de dar um contorno bem definido ao surpreendente mistério de nascer. Criam-se profissões, especializações, aparelhos, drogas, e outras menos "convencionais": aromaterapia, acupuntura, homeopatia, ritos, "poder da mente", conexões astrais... É tão lindo que um simples corpo redondo desbanca tantas ideias, narrativas, mercadorias e expõe o teatro em que estamos. 

Minha amiga abriu uma angustia "eu não sei o que preciso fazer pra ajudar o bebê nascer". E incrivelmente, para uma tarefa de tamanha importância, o que resta a fazer é desfrutar. Em nenhum trabalho importante, em nenhum momento de nosso cotidiano somos impelidas a desfrutar e a gestação e o parto escancaram isso. Em condições saudáveis tudo o que não é corpo gestante é supérfluo e dispensável. Médico, hospital, medicamento, doula, música, cheiro, vela, marido, profissões, mercadorias, papéis sociais são dispensáveis. É preciso um bocado de humildade pra nos reconhecer dispensáveis em um momento tão espetacular. Mas não é espetáculo. O que importa é o corpo gestante e o quanto esse corpo está apto a relaxar e permitir que a vida escape de si. 

Esse relaxamento depende de respeito, o parto desvenda a incomoda situação de que nossa sociedade é sustentada pelo estupro. Existe uma tênue linha que delimita o que é estupro do que é desejo e tesão femininos. É possível fazer sexo e engravidar sem prazer, mas jamais seremos capazes de parir-nascer num ambiente hostil. "A sociedade" tem falhado em não nos estuprar. Os hormônios liberados, o movimento do útero, a configuração do canal vaginal, nada vai promover o parto se houver a percepção de um menor sinal de ameaça. É amando, em um corpo inundado de ocitocina e prazer que a vida começa.


1) https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2012/10/10/bebes-prematuros-tambem-podem-nascer-de-parto-natural-com-seguranca-diz-estudo.htm

2) http://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,797153,00.html

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