terça-feira, 6 de maio de 2014

a competição

O que realmente me fere e ofende no capitalismo é a exclusão de tudo o que não gera lucro. Pode parecer pouco e aceitável para quem pouco se importa e se afunda na lógica produtivista vivendo para trabalhar, recebendo para consumir.

Nesse domingo teve provinha de corrida em Rio Grande. Faz alguns anos que o Thiago participa, eu acompanho, já corri em três mas não curto muito. Atualmente, a cidade está crescendo, as provas estão ganhando patrocínio, as equipes estão mais competitivas e consequentemente trazem slogans em sua camiseta, o pódio mostra ao fundo mais slogans de apoiadores e patrocinadores. Dessa vez não pedalei ao lado dele, foram mais de 900 inscritos, fiquei esperando na largada com a máquina armada. Enquanto isso via os primeiros colocados.

Pelo microfone o locutor anunciou, aí vem a primeira colocada do feminino. Legal, quis bater palmas pensando estar exercendo meu feminismo, fiquei esperando mais anúncios, e nada... Passou pela linha de chegada uma moça negra, sem patrocínios, parecia tão bem que fiquei na dúvida se era a primeira dos 10 ou das últimas dos 5 Km. Ué. Não veio ninguém depois dela, perdi o momento de aplaudir. O locutor disse depois de um tempo seu nome, de Pelotas. Grunhi os dentes de raiva. Mas algum tempo depois, o senhor do microfone começa a anunciar contente o nome que já de antes me irrita... Aí vem ela, a doutora Daniela. Está chegando, com toda sua garra e determinação, cruzando a chegada. Doutora Daniela!!!! Parabéns Dani, por seu empenho. Pensei sarcástica, parabéns por parecer um outdoor, e erguer bandeirinha da equipe no pódio.

Eu que tenho aversão a competição. Pode ser algum problema psíquico, pois me atrapalha, não consegui ler o livro "ponto de mutação" encalacrei quando ele defendia o equilíbrio saudável da cooperação com competição. Tendo nós superado algumas necessidades instintivas podendo nos dar ao luxo de pensar e conversar, qual a necessidade da competição? Será que não existe meio de superá-la? Ok, mesmo que acredite-se que essa é uma necessidade para o progresso técnico, e sei lá seleção para cargos muito desejados, é necessário alimentá-la a todo instante? Será que não existe lazer esportivo social cooperativo possível?

Tem duas histórias que gosto de me lembrar, já não me recordo a fonte e em que cultura ocorreu, uma foi ao se ensinar futebol a uma tribo. Não tinha jeito, todos comemoravam em qualquer gol, inclusive o goleiro. O importante era se divertir em grupo e deixar todos se sentirem bem. Quando terminou o tempo da partida eles não concordaram em parar. É muita falta de honra parar agora que estamos ganhando, é vergonhoso. E o jogo prosseguiu até que terminasse empatado para a alegria e contentamento de todos. Mantendo e fortificando a harmonia entre o grupo.

Outro caso foi o do antropólogo que findado seu estudo de campo tinha que ir embora, para se despedir fez uma última experiência, escondeu em uma árvore alguns doces. Quando as crianças chegaram perto dele meio saudosas ele as animou. Olha, eu deixei uma surpresa pra vocês, o primeiro que chegar ganha, está ali naquela árvore. Ele esperava correria, gritaria e (suposta) alegria típica das crianças. Mas, calmamente elas se deram as mãos e foram caminhando até a árvore. Lá chegando dividiram os doces. Ele perguntou, mais direcionado ao reconhecidamente mais rápido da turma, porque vocês vieram juntos? Não tentaram pegar tudo para si? Como podemos nos sentir feliz sabendo que nossos amigos estão tristes?

Essa competição, sistematicamente ensinada e incentivada, extrapola os limites do esporte (mesmo que ficasse nesse limite acho profundamente triste) e expande para relações pessoais, compete-se pela atenção dos pais, dos filhos, dos amigos, do chefe; nas discussões é comum não haver a real intenção da descoberta de uma verdade em conjunto, mas um objetivo egoísta e superficial de ganhar a argumentação, competindo pela razão, pela admiração dos que ouvem. E conquistando poder.

Isso me incomoda, não sei se é porque nunca ganhei alguma competição ou se nunca ganhei uma competição por não ver sentido e propósito, por achar um pouco cruel com quem perde e principalmente por em essência acreditar que ganho mais quando perco. Deve haver aqui uma diferença fundamental. Por alguma razão eu valorizo a porção espiritual do ser, quero dizer sentimentos e pensamentos, reconheço a importância da matéria, mas como uma manifestação dos valores menos palpáveis. Nesse sentido hierarquia de chegada, e aquisição de medalha perdem o valor para mim, somado ao interesse econômico que coisifica o ser em objeto de propaganda e lucro aí complica ainda mais.

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