quinta-feira, 7 de abril de 2022

Sou uma mas não sou só

 Meu cachorro está morrendo e com ele a ideia do que foi a minha possibilidade de família. A saudade, de acreditar nessa ideia, me faz criar um tempo em que havíamos nós. Como se tivesse havido concretamente um “nós três” no qual eu não me sentisse só, a implorar por migalhas de amor, carinho e atenção.

Sou uma, mas não sou só.

Meu cachorro de 16 anos morre lentamente. Começou cambaleando, a vida parava de visitar os membros inferiores, e não havia mais controle das excreções. Até que ontem ele parou definitivamente de andar, e já não conseguia comer nem beber água. Eu o banhei no rio. E ele passou todo o dia respirando. Enquanto minha ilusão sobre o trio familiar se desfaz, tão lenta quanto a morte do cachorro.

Não que eu queira me desfazer dessa crença, como não quero que o cachorro morra. Mas, a vida calmamente vai deixando o corpo dele, ele está sublimando, consumindo-se, sumindo. A se diluir no ar.

Gostaria que os três pudessem se juntar, pra nos despedir do cachorro e também da ideia de “nós três”.

Por um momento pensei que pudesse estar sentindo solidão. Se não sou trio estou só. Mas recebi abraço. De companheira e companheiros. Me alimentaram. Sem drama, sem lágrimas, sem gravidade, assim, leve. Sinto os pelos macios do monstro da solidão, amansado. A concepção da existência em três vai se esvaindo, sublimando como os músculos do cachorro. E o espaço que deixa não é vazio, embora amplo é iluminado e arejado. Preenchido de abraços, carinho, cafunés, olhos, mãos, toques afetuosos e não compulsórios.

Somos um, sou uma mas não sou só.

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