Essa desconcertante sensação de que tudo já está feito. Quando andamos pela cidade, conversamos com as pessoas, todos os empregos parecem absolutamente desnecessários. Não são trabalho no sentido de transformar a matéria. São empregos, acesso a renda para pagar as contas. Um motivo para sair de casa. Serviços. Ensinar por que, para que escrever? Então talvez estejamos perante um dilema. Nos escravizarmos ou nos libertarmos. Parece haver uma crescente agudização dessa contradição. Como se estivesse em disputa dois projetos. Um torna a existência humana desnecessária, servindo apenas como suporte para o avanço das máquinas, é o projeto que prevê humanos inertes, atomizados, sentados em poltronas, mantido com suplementos químicos, interagindo com máquinas: assistindo, jogando, curtindo, postando, comprando, boiando na internet. E todo um sistema vai se construindo em torno desse projeto, a medicina com exames computacionais e voltadas para essas doenças. Consegue rápido diagnosticar e curar câncer. Mas, quando eu cortei um pedaço do dedos os médicos pareciam mais inseguros do que eu. O modo como se trata a gestação e o parto, avanço em cesáreas. Na alimentação, monocultura, ultra processados e "enriquecimento com nutrientes de laboratório" . Em nítida disputa hegemônica com um outro projeto, também possível. No qual o avanço tecnológico emancipa o ser humano. A busca pelo sabor genuíno, café em grãos, cultivados em terra fértil. O ferro, que cura a anemia, sendo feito na terra pela mão do agricultor. Gosto muito de brincar que agricultura biodinâmica é bruxaria. Porque se constrói uma mística no entorno, acho que é porque essa escolha de agricultura de qualidade envolve tantas camadas que é difícil explicar. A camada que mais gosto se refere à transformação atômica. E a qualidade dos átomos formados. O ambiente, o agricultor, o modo de lidar com a matéria tem forte influência no comportamento da partícula fundamental (elétron, próton, nêutron), atuando na brecha da dualidade onda-partícula. Essa ideia, de um simples ser humano na terra fazendo o preparado chifre-esterco, ter o poder de promover alterações subatômicas, que mudam a composição da terra, e portanto das plantas, animais e seres humanos, se choca com todo projeto de alienação do ser humano. Alimentos que dependem dos seres humanos para se tornarem saborosos e nutritivos. E seres humanos que se importam com isso, com a qualidade dos átomos que irão compor seu organismo. Mesmo porque, quem sabe seja isso o que fique, depois de morrermos, os átomos e as partículas-fundamentais guardem em si a memória do que foram em nós.