domingo, 24 de março de 2013

Mais vale um pássaro voando do que dois na mão

Uma amiga minha me emprestou um livro, um verdadeiro marco na história do ambientalismo. Trata-se de "Primavera Silenciosa".

Consiste na descrição do uso alucinado de inseticidas e herbicidas e seu efeito. O livro é excelente pela forma como foi escrito. É dotado de uma visão ecossistêmica, o solo é riquíssimo em diversos micro-organismos que são fundamentais para manutenção do reino vegetal. A pulverização de veneno em "ervas-daninhas" (isso é, em plantas que por algum motivo nós classificamos como indesejáveis por não serem úteis a única espécie que tem direito de decidir alguma coisa) contamina e envenena todo o solo e toda infinidade de organismos que vivem lá. Esses organismos, migram, voam, alimentam outros animais, nosso planeta está todo conectado, é uma esfera. E assim é fácil imaginar que a livre pulverização de venenos ocasionou o declínio de 90% de certa população de pássaros. As paisagens ricas que margeavam estradas norte americanas se tornaram estéreis e marrons. 

Isso foi longe e na década de 60, correto?! Não poderia se ter certeza do dano, preferiu-se arriscar, alguém ganhou, ou ganha muito dinheiro vendendo venenos, alguém ganhou muito dinheiro aumentando (ainda que temporariamente) a produção. Agora as leis que regulam o uso está mais rígida e a agroecologia vem leeeeeeeeentamente conquistando algum espaço. No Brasil, mesmo com esse legado de experiência a coisa  ainda não vai bem. Nesse sentido vale ver a um preocupante documentário O veneno está na mesa (link) .
Essa história de política estar intimamente (quase pornograficamente) relacionada com interesses privados causa alguns desconfortos que temos diariamente que engolir, como o uso de agrotóxicos não liberados pela ANVISA por causarem danos a saúde (link da matéria)

É um pouco assustador pensar na quantidade de produtos químicos que ingerimos diariamente. E por mais que existam alguns estudos sobre o efeito pontual de cada um, é impossível prever seu efeito sinérgico no organismo humano e no planeta.

Aliás, quanto a reconhecer o efeito no planeta, algo que me chamou muito a atenção foi que o livro está abarrotado de relatos espontâneos de pessoas que reparavam as mudanças no ambiente, uma cita que em Londres era possível trafegar milhas sem ver uma única ave, e tantos outros fazem reclamações semelhantes. São pessoas que reparam na natureza, pessoas que foram capazes de notar algum problema. É verdade que nesse caso o problema era gritante, mas eu fico assustada como cada vez menos conhecemos e reparamos nas aves e na natureza. Uma professora minha já havia dito "as crianças do campo sabem reconhecer o símbolo do Big, mas não reconhecem nenhuma espécie de ave local". É possível que espécies tenha sido extintas sem que as tenhamos conhecido... e é possível que espécies venham a ser extintas sem que aprendamos a admirá-las. Admirar a natureza é uma atividade extremamente prazerosa e didática, não apenas didática no sentido de estudar seus processos mecânicos, mas didática num sentido mais transcendental, a observação da natureza nos leva a uma viagem interna e espontânea que resulta em insights. Nossa humanidade desenvolvida, cria tecnologias fabulosas mas pouco conhece seu interior e tem adotado práticas que destroem os melhores professores para isso.

Claro que a visão ambiental atual tem um viés pragmático, que é real, preocupante e convence mais. Simplesmente dependemos de um ambiente saudável para existirmos, dependemos de ar e água limpos, dependemos dos "serviços" ambientais prestados pelos demais seres vivos. Isso é verdade, mas pode ser tecnologicamente produzido. Eu sempre fico com uma cara de panaca quando exponho uma preocupação ambiental e o engenheiro mais próximo descreve 3 ou 4 projetos que já existem para amenizar o problema. Eu entro num conflito interno, pois deveria ficar feliz em saber da existência de um purificador de água movido a energia solar, por exemplo, mas eu não fico, eu fico irritada. Achava que era por "perder a discussão", mas eu não ligo para ganhar discussões, não é falsa modéstia, eu nasci com esse problema. Esse livro traz trechos que poderiam se enquadrar como "poético-ambiental" o que me fez pensar que a maior motivação para minha postura ambiental é transcendental, o que dificulta qualquer discussão nesse mundo pragmático. Mas tentarei: eu quero manter a possibilidade de depois do expediente me mandar para um lugar sem nenhum resquício da atuação humana, pois só nessas condições eu consigo me harmonizar. é só quando fico uma hora num lugar assim que eu alcanço a sensação de saber quem eu sou e de ficar bem com isso. Poderia dizer que tenho inveja das pessoas que parecem conseguir isso indo a shoppings centers, mas faz algum tempo que desisti das comparações externas e esdrúxulas. mas de fato, parece meio injusto e inadequado reivindicar a intocabilidade de ambientes naturais pelo simples fato de sentir uma necessidade interna escandalosamente gritante... Quando questionado sobre a necessidade de um local adequado para meditar Gandhi disse que trazia a caverna dentro de si. Talvez isso fosse o adequado, a ponto de eu tentar me esforçar para manter aquela sensação (conquistada depois de uma hora em contato com a natureza) em todo e qualquer local, inclusive engarrafamentos e shoppings centers, mas tenho a impressão de que ninguém consegue, e que se pudessem apreciar a natureza "selvagem" haveria mais paz.

Acho que é isso que nutre o ambientalismo, que nunca parece satisfeito com soluções práticas. não quero "ecoeficiência", eu, nós, precisamos disso, o que eu quero é paz, amor e harmonia. Talvez tu lendo isso possa ter chego a concordar, mas lhe afirmo que dizer muitas vezes soa ridículo, e eu fico sem entender pois na minha lógica é isso o que mais importa e é para isso que o desenvolvimento tecnológico nos deveria guiar.

Apenas quando pudermos concordar que "mais vale um pássaro voando do que dois na mão" estaremos em paz.

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