sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Noiva do capital

Essa semana a empresa de transporte público provou que seu lema é "lucra bem para lucrar mais".


Curiosamente, os pontos de descida foram removidos. O ponto em que mais se descia gente, onde formava uma certa muvuca, foi o que mais causou estranhamento. De um dia para o outro o ponto não tava mais lá. "Vai descer" grita a galera do fundão. "Num tem mais ponto" responde o motorista mau humorado, emendando um "parece burro".

Simples assim. Que eu tenha conhecimento, dois pontos de descida foram subtraídos sem aviso, sem explicação. Deixando uma enorme distância a ser percorrida. Passageiro descendo não dá lucro, o lucro é com quem sobe. E afinal, conspiração de minha parte, a região do Guanabara vem investindo fortemente numa limpeza social. Afastando os pobres, tirando da vista. Muda a rodoviária, subtrai um ponto.

Na semana passada descobrimos que o ônibus das 12:50 agora é das 12:55. Ontem, chegamos na rodoviária e às 12:55 nada de ônibus (cassino - furg). Ia saindo um para o centro, perguntamos ao motorista "Deve estar chegando" e foi-se embora. Melhor pedir informação: "Num tem mais esse ônibus porque é férias". Simples assim, na quarta tem ônibus, na quinta não. Entramos no centro, digo o que chama Cassino, mas curiosamente vai para o centro. Ao longo do caminho sobe ao menos 13 estudantes que não sabiam, mas estavam de férias. Estudante já paga meia, para dar (muito) lucro precisa de estudante pra caramba. Com isso todos ficaram sem almoço...

Na volta decidimos nem arriscar esperando o furg-cassino. Fomos na faixa e pegamos o Cassino que aí sim, de fato vai para o cassino... Lo-ta-do. Respirei fundo, e me enfiei tentando achar algum espaço. E o motorista curiosamente segue parando nos pontos e apanhando gente. "Tá lotado motora". Começa a massa amontoada se manifestar. "Só mais cinco" responde o motorista para minha enorme surpresa. E não é que entra mais 5 mesmo? E dos grandes!

Só que é humanamente impossível e extremamente desagradável atravessar o ônibus para descer. E então, as pessoas que estão desconfortavelmente exprimidas na parte da frente se esforçam para alcançar a catraca, pasmem, pagam sua passagem, giram a catraca e descem pela frente, a cobradora grita "girei pra moça"! Essa é uma metodologia que não faz absolutamente nenhum sentido para mim!

E as cinco pessoas grandes que haviam entrado, logo (uns 5 pontos depois) vão descendo. "Eeeeei, mas vocês pagaram a passagem?" silêncio. Gritando para cobradora "Você cobrou desses cinco?" "Só recebi da menina e da senhora". Não me contive "Deixa descer, eles nem entraram no ônibus". Segui argumentando com 2 homens que pareciam concordar "não faz falta, essa empresa já lucra os tubos na nossa costa". Alguém pagou as passagens, possivelmente um cidadão de bem que acredita que a caridade é a salvação...

A cobradora pareceu ficar meio de cara comigo e dava indiretas dizendo que já tinha espaço no fundo, fica na frente porque quer, quer atrapalhar mesmo, resmungava. Não consegui ver o espaço atrás, apesar de ter ouvido bastante gente descer, e nem consegui identificar porque eu deveria passar pra trás. De todo modo eu fui, afinal queria ficar perto do meu companheiro. "Tem que ter mais ônibus, esse horário é sempre cheio, fica ruim até pra vocês, mto estresse" falei no tom mais simpático que consegui achar. "Num sei porque tá cheio, ontem mesmo veio vazio" respondeu mais calma.

Depois de ter passado o dia inteiro desejando que o presidente dessa joça fosse afetado de alguma forma. Imaginar o iate dele naufragando e deixando ele com frio e fome por uma semana. Depois de mentalizar todos os escritórios pegando fogo, graças a molotov. Depois de sentir vontade de tacar fogo naquele ônibus. Depois de desejar ardentemente que cada realzinho de lucro que entrasse no bolso algum tonto trouxesse um desagrado. Enfim, depois de mirar encima comecei a pensar porque razão os motoristas e cobradores fazem tanta questão de assegurar o lucro do patrão?

Imaginei o condicionamento mental que paira pela empresa. "Num dá pra por 'lotado', pensa naquelas pessoas no ponto, elas esperam pelo transporte para chegar nas suas casas." Ou ainda "tem muita gente ignorante e mal educada que pega o ônibus". Só pode de algum modo haver uma coação muito grande que faz com que o trabalhador se identifique mais com o patrão que com os usuários. E comecei a desejar algo muuuito mais interessante do que uma doença maligna num idiota qualquer. Comecei a imaginar os e as motoristas, e os e as cobradoras passando a adquirir consciência de classe. Imaginei eles/elas de alguma forma se apropriando de Marx, pensando de maneira crítica seu papel na sociedade.

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