quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Islã, a mesquita e a ignorância

Fica tudo muito confuso quando antes de conhecer somos bombardeados por conceitos prontos, supostamente embasados, amplamente aceitos e prontamente repetidos. Fica pior quando não há espaço para sentir, só para pensar presa na razão e na lógica.

O que é liberdade? Como manifesta-se o machismo?

Mulheres de burca e coberta por panos sempre me deram arrepios. Não é difícil imaginar porque, a primeira vez que tive contato com isso foi pela TV e elas sempre estavam associadas a opressão, sofrimento, violência. Me era mostrado como um costume medieval de sujeição, e narra-se longas histórias de apedrejamento, e costumes cruéis. O discurso defendido era de que as mulheres devem ser livres para se vestirem como quiserem.

Quando cruzava por uma nos bairros comerciais de São Paulo me sentia desconcertada. Precisariam elas de alguma ajuda? Mas elas não estavam de cabeça baixa caminhando atrás de um homem, como a TV narrava ser o costume. Elas pareciam decididas e confiantes, andando sozinhas pelas ruas, administrando lojas. E eu já não sabia como uma adolescente poderia ajuda-las. Já não sabia se devia continuar sentindo pena. Mas ainda insistia em associar tal vestimenta ao símbolo máximo da opressão machista. Nós ocidentais cristãs é que temos sorte de usufruirmos nossa liberdade nata.

Depois de experiências, leituras, conversas, observação, contato com grupos feministas, fui me convencendo que existe machismo, e muito, nas Américas. Vejo como a mulher é usada como objeto decorativo, como somos incentivadas (e cobradas) a sermos bonitas. Como a presença histórica de mulheres importantes é apagada, ignorada, subestimada, e as que restam são subjugadas a papéis secundários, cuja importância se resume ao papel de mãe do cara ou esposa do cara. E eu já não sei o quanto as mulheres exibem seus corpos por liberdade ou por coação. Afinal existe um único tipo de corpo a ser exibido, jovem e torneado, essa suposta liberdade morre na praia. E deveria essa liberdade, de se despir, ser imposta? Estaria lindo a lei francesa que proíbe o uso de burcas e do tal lenço? Seria essa lei uma busca pela liberdade das mulheres ou uma perseguição religiosa?

O que eu aprendi do Islã pela TV é que são sanguinários e pretendem matar todo mundo, em especial aos EUA, pois eles são totalmente contra a liberdade. Demorou muito para eu me dar conta desse espesso véu de ignorância que foi posto sobre mim. Sinto uma necessidade enorme de saber quem somos nós, o que significa nossa vida, se existe e o que é alma. A ciência não é capaz de suprir essa necessidade, busco então na religião, lendo, ouvindo, conversando, meditando e mantendo a mente aberta. Li dois livros, meio fantasiosos como romance que abordavam o Alcorão. Me encantei com "Seu Ibrahin e as Flores do Corão" e "Habibi".

Já nesse processo de amadurecimento, no qual um choque cultural não resultaria em atrito, foi que a conheci. Quando a vi envolta em panos não senti a aversão de outrora. Para minha surpresa uma enorme excitação percorreu todo meu corpo. Milhares de perguntas começaram a se formular na minha cabeça. O que ela pensa que é alma? Acredita em espírito? Porque usa esses panos? Acredita em Jesus? Achei indelicado começar uma entrevista desse modo. "Estamos atrapalhando seu jantar." E para minha sorte ela já entrou no tópico que eu queria. "É que estamos no mês do Ramadã, Fazemos jejum de quando o sol nasce até que se põe." Engatilhei diversas perguntas: o que é Ramadã?, existe uma dieta especial? e por fim, quando ela me disse que faziam 5 orações por dia, em todo o mundo no mesmo horário e no mesmo idioma, iniciando às 6 da manhã eu não pude me segurar. Foi uma vontade arrebatadora, eu precisava participar dessa oração. Pedi para me juntar, ela disse, pelo que consegui entender pois a comunicação não era de todo clara, que essa era uma oração mais íntima, mas às 19:45 havia uma oração na mesquita a qual eu poderia acompanha-la, se quisesse.

"Pai, qual a diferença entre árabe e muçulmano?" "Não sei." Passei pelo google para entender que muçulmano é quem segue o Islã, uma das religiões com mais fiéis no mundo e a que mais se expande, especialmente entre as mulheres! Vesti minha calça mais larga e às 19:30 estava na entrada o hotel esperando por ela.

Fomos caminhando, enquanto eu fazia muitas perguntas, tantas que nem conseguia entender as respostas, tinha receio de ofende-la. E porque usar o pano? Nas imagens católicas também tem. É para se preservar, como pureza? É. E os homens não usam? Vai da fé de cada um. Nesse momento passamos por um carro de onde descia um jovem bonito, envolto em lenços com um turbante. Achei que iriamos parar para cumprimenta-lo, afinal nas religiões em que andei era fácil confundir o rituais com um evento social. Mas qual, apertamos o passo e entramos por uma portinha estreita numa longa escadaria. Nas mesquitas grandes as entradas de homens e mulheres é separada. Preferi deixar para depois meus julgamentos, achei que seria desrespeitoso e me impediria de conhecer. Ela parecia apressada, você tira o sapato rápido e entra com ele na mão. Putz, estava calçando um tênis tipo botina trekking, difícil de descalçar. Fui tomada por uma espécie de desespero, não queria desrespeitar ninguém. Tive que me concentrar para não gargalhar, afinal parecia meio cômico um desespero para não ser vista por homens. Finalmente o tênis saiu, quase arrancando meu pé junto.

As mulheres ficavam juntas atrás de um pano, que as separava dos homens. Elas pareciam a vontade com isso. Só podem frequentar a mesquita no mês do Ramadã, exceto quando menstruada, nessa situação não devem rezar, e ficam devendo as rezas para outra ocasião. As orações eram em árabe. 5 sessões com intervalos. Eu poderia ficar a noite toda, mas minha anfitriã parecia demasiado insistente quando dizia que eu poderia ir, iria ficar cansativo para mim que não entendo. Achei que ela preferia que eu fosse. Gostaria de conversar mais.

Tenho muita vontade de conhecer mais que julgar. O Islã, em especial sua linha esotérica Sufi, parece ter muitos ensinamentos interessantes. Dizer que separar homens de mulheres, proibi-las de entrar no templo, é errado e machista sem conhecer as razões disso é ignorante e desrespeitoso com outras crenças. Somos sempre levados a julgar o Islã, e o pior, com base em casos estapafúrdios e cruéis. Como se não existisse pedofilia entre cristãos, como se não houvesse entre fiéis cristãos casos de intolerância, opressão, coação, violência. Oportunidade de conhecer o Islã são pouquíssimas. Eu ainda não sei o que penso disso tudo, quer dizer penso que cada um deve ser livre para ter a crença que quiser. Repetidas vezes encontro em literaturas espiritualistas diversas um alerta sobre o ego e sua manifestação primária, a vaidade. Assim me parece razoável que algum profeta tenha chegado a conclusão de que se cobrir toda é uma forma de não alimentar essa vaidade, ou raspar a cabeça e se vestir igual. Se isso é eficaz eu não sei, porque nunca tentei e não conheço intimamente quem tenha tentado.

O que eu não sei é até quando confiar na veracidade da existência de grupos muçulmanos fundamentalistas terroristas violentos contra a liberdade a democracia e os EUA, que atacam pelo simples fato de acreditarem que o mal reside na democracia, a qual os EUA tem o heroísmo de defender...

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