domingo, 4 de outubro de 2015

O benzedor

As histórias e mitos da ilha mexem comigo. Tanto quanto suas belas paisagens. Me pego imaginando o triste fim da rica feiticeira. Ou as aventuras dos piratas. As secretas conspirações dos escravos, as revoltas e fugas não contadas, mas que certamente aconteceram. As vivências dos índios. E nesse criar e compor me abandono por horas. Mas uma figura me instigou de modo especial. 

Foi uma colega da secretaria que o mencionou pela primeira vez. Ela iria procurá-lo para curar sua garganta. O João, benzedor. Talvez por gostar ou pelo menos simpatizar comigo e minha companheira de aventuras nos deu as dicas. Falou o endereço, "ele não gosta muito de benzer e por vezes diz que não faz mais isso, mas ele gosta muito de leite em pó. Leva uma lata como agradecimento e incentivo." 

Fiquei empolgadíssima e realmente feliz por ainda existirem pessoas que benzem! Uma arte que julgava perdida. Só que essa felicidade genuína, lhe asseguro, não me motivou a procurá-lo. Não por não acreditar na reza de seu João. Acredito, respeito e admiro. Mas porque me julgo bem de saúde, e me sentiria um pouco mal em explorá-lo para me sentir "ainda melhor".  Muitas pessoas me falaram dele em momentos diversos. "Me disse que estava com mau olhado, para tomar banho com (não me lembro o que) para limpar". E comecei a desejar conhecer esse homem. Eu queria que ele pelo menos me visse para dizer caso tenha algo errado comigo.

O CRAS daqui está se estruturando e organizando com esse tanto de gente nova que foi chamada pelo concurso. Por isso as atividades de grupo ainda estão sendo atenciosamente planejadas, e como orientadora social, eu e minha amiga recebemos a função de fazer cadastros (os famosos - para nós - Cad). Numa lista de mais de 400 endereços lá fui eu, buscar uma pessoa numa agradável rua sem saída, entre uma igreja e uma escola, tranquila como haveria de ser. Paro para comer algumas pitangas que saem de uma cerca enquanto ouço o som do que parece ser um ancinho de metal coçando o cimento. Sigo pela rua e logo encontro um senhor que parece meditar enquanto varre as folhas caídas na rua. Admiro um pouco, observando seu pequeno bolo de folhas crescer. Ele nota minha presença e continua, com calma como se tivesse tempo pra tudo. Me fazendo lembrar da história que os budistas adoram contar sobre:

"um homem que ia a galope num cavalo. Segundo a história, o cavalo corria tanto que parecia que o homem ia a um lugar muito importante. Uma pessoa que estava à beira da estrada grita para o homem: "Aonde você vai?". O homem que montava no veloz corcel responde: "Não sei, pergunte ao cavalo!". E se as histórias zen não bastarem para nos lembrar da futilidade dos nossos hábitos, os filósofos não nos deixam dúvidas. Henry David Thoureau afirmou: "O homem cujo cavalo trota um quilometro por minuto não leva a mensagem mais importante."*

Montada em meu cavalo metafórico penso que todos que trabalham devem ter pressa e me obrigo a interromper o momento. Confirmo que ele é quem procuro, explico quem sou e o que vim fazer. Ele me convida para entrar. Me sinto atravessando um portal. O terreno não muito grande é, provavelmente, o mais fértil e produtivo da ilha. Tem dezenas de árvores frutíferas e incontáveis galinhas ciscando felizes entre elas. Preencho o cad, desejando que ele esteja realizando uma analise profundo de minha aura para me dar um diagnóstico. Ele responde as perguntas, fala do passado, do presente e do futuro. Dia 05 (amanhã) é meu aniversário. Faço oitenta e um anos. 

Fico num conflito interno sobre o desejo de ser benzida e o quão inapropriado seria um pedido desse. Torço intimamente para alguma proposta dele, mas talvez esteja pensando no mesmo. Digo apenas ao me despedir que ouço muito falar dele, sempre muito bem, e foi uma enorme honra ter-lhe conhecido. Saindo reparo nas latas com mudas frutíferas, esperando calmamente para serem plantadas de modo que possam então desenvolver todo seu esplendor em rica generosidade. Nesse momento encontro minha meta de 2016. 

Em 2014 percebi o tanto de planos que aspiro. Eram tantos, mas tantos, que estavam todos entalados! Nesse lugar estranho, pouco acessível e cheio de armadilhas, que fica entre o planejar e o fazer.  Angustiada com o fato de querer ser vegana, praticar yoga, meditar, acabar com o sedentarismo, ler, limpar a casa, plantar, escrever, pintar e infinitas coisas que desejo fazer de maneira habitual, decidi que implantaria um hábito por ano. O que me parecia mais urgente e foi portanto elegido como meta 2015 foi caminhar/ me exercitar pelo menos 20 minutos por dia, os fins de semana podem ser sem regras. Só que sabe aquele papo de o que pede consegue e o universo conspirando a seu favor e tals? Pois então, o fato de viver numa cidade com uma orla maravilhosa, somada ao emprego (aparentemente confundido com agente comunitário de saúde) me fez ter sucesso absoluto em acabar com o sedentarismo! E quando começava a pensar na contribuição que 2016 poderia me dar me brilham as lindas mudas do seu João. Uma árvore frutífera por mês!!! Eis o que farei a partir de 2016. 

* esse livro de Mary Paterson chama-se Os Monges e Eu.

2 comentários:

  1. comovente essa historia
    tudo q vc pede seja conciente ou inconciente a vida te da
    parabens amada

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  2. comovente essa historia
    tudo q vc pede seja conciente ou inconciente a vida te da
    parabens amada

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Nos eduquemos juntas.