Vim de São Paulo em 2007, para cursar oceanologia na FURG. Me estabeleci em um balneário quieto e tranquilo. Fui relativamente bem tratada e bem recebida. Entre os colegas de faculdade eu sabidamente me escapulia quando a conversa adquiria um tom bairrista. Ouvia frases como "antes de ser brasileiro, sou gaúcho" a qual dita em tom prepotente me arrepiava inteira, tamanho era o mal estar que me proporcionava que não conseguia aprofundar o tema. Imagino que grande parte dessas frases são sem fundamento algum, são senso comum encucado e repetido aos sete ventos.
Ainda é possível desfrutar da harmonia natural na praia. |
Nascer do sol no mar. colhida do google. |
Nesse meio tempo começou um papo esquisito de petróleo, pré-sal, plataformas e estaleiros. Sem que nos déssemos conta começaram notícias no jornal de investimentos milionários na cidade, geração de emprego, e plataformas saindo pelos molhes. Era um papo meio esquisito, mas eu não me aprofundava muito, preferia me focar nos estudos e no lazer, velejava pela lagoa, acampava no mato, começava a identificar estrelas e aves locais ia me tornando mais e mais pertencente. Mas, o trem seguiu andando, passei a notar rapazes de macacão fazendo compra no "super" e andando pelo bairro, ouvir reclamação dos colegas a respeito do preço do aluguel. Na minha formatura fui pesquisar uma pousadinha perto de casa, descobri que havia se tornado um superlotado alojamento. Enquanto isso o número de carros passando em minha rua aumentava em PG, muitos destes com som alto, invariavelmente funk. Pode parecer meio conservador, mas me preocupo com a falta de conteúdo dessas músicas da moda, elas não passam nenhuma mensagem.
Enfim, a coisa foi indo e mesmo assim resisti em sair do bairro na minha formatura, e como a oferta de emprego na cidade para minha área é de 1 vaga a cada 7 anos, engatei num mestrado. Foi um novo universo, apesar de ainda ser acadêmico não é alienado, e passei a me inteirar mais de diversos processos políticos e humanos. É como se acendessem a luz da razão num sentimento que crescia dentro de mim. Compreendi que crescimento econômico quase nada tem a ver com desenvolvimento social, até poderia vir a ter, mas não é o que acontece. E compreendi que questionar o sistema não faz de mim uma subversiva, vagabunda ou bagunceira (como parece pensar minha família - de militares paulista), compreendi que pelo contrário, não questionar faz de mim uma alienada que favorece a perpetuação dessa inversão de valores que temos visto, desse modo excludente e opressor de desenvolvimento.
Alojamento adaptado em antiga delegacia. Fonte ZH. |
Embora seja ligeiramente injusto e enfraquecedor esse acolhimento pouco caloroso e essa gritante segregação cultural. Afinal, me colocando na posição desses trabalhadores, não é fácil sair de sua cidade, deixar sua família, os amigos do colégio, do bairro e vir para uma cidade ventosa, com um mar marrom e com hábitos esquisitos, sem samba, sem funk, sem mulher semi-nua se insinuando por aí, talvez eles tenham a necessidade de um CTC (centro de tradições cariocas, ou baianas conforme o caso). Nossos novos colegas foram constrangidos a deixar seus estados de origem, eles vem sendo historicamente marginalizados, culminando nessa migração inconsciente. E nossa fria recepção vai auxiliar no aumento de sua revolta, não contra os megaemprendedores que bolam estratégias mirabolantes para acumular mais riqueza.
A situação nessa cidade está caótica, mas a segregação não auxilia em nada. Devemos parar de nos referirmos aos de "macacão" de forma pejorativa, parar de olhar com desconfiança. Precisamos de alguma forma (nem imagino como) integrá-los na sociedade a ponto de passarem a amar o Cassino, como eu, e aspirar melhor qualidade de vida no bairro e na cidade. Para juntos, reivindicarmos melhores condições de trabalho, de alojamento, mais investimento em educação, saúde e transporte, e menos concentração de renda.
"uma cultura gaúcha meio socialista, o que me agradou muito, aqui parece normal ser mais apegado a natureza do que às indústrias".
ResponderExcluirHum... deixa ver se eu entendi. Meio socialista só pela identificação com a natureza? São "socialistas" até que forasteiros vêm incomodar e ameaçar o equilíbrio local. Daí o pensamento deixa de ser solidário e passa a ser "isso aqui é meu", "não me contem seus problemas". Sei...
Socialistas, uma pinóia.