quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Impressões pré-EDEA.

Certo dia me encontrei com o seguinte gráfico
Fiquei pensando que desde que entrei no mestrado tenho visitado constantemente a "zona do pânico". A cada pânico superado me defronto com outras matérias (aliás, pq são chamadas de disciplinas?!), outros textos, outros autores, outras perspectivas mais assustadoras dos mesmos problemas, e lá vou eu novamente pra borda do círculo. Tanto tenho me habituada a andar por essas bandas que me confortar com meu conhecimento parece impossível.

Para ajudar, uma amiga surgiu na minha vida, como uma guia me conduziu naturalmente para próximo da educação ambiental (EA). Aí sim, minha estabilidade mental virou um caos. A cada sala com um educador ambiental que entro sou convidada a pensar criticamente, construir conceitos, e depois desconstruí-los, para então talvez construí-los novamente. Não necessariamente mais forte, convicto, sedimentado, mas mais problematizado.

Essa semana aconteceu o V-EDEA. Que começou na sexta passada com um encontro pre-edea do qual fez parte a Michele Sato e Alfredo Guilhermo Martin Gentini. A primeira questão posta por esse foi: como vocês abordariam a educação ambiental com megaempresários?

Eu, reconhecendo minha total ignorância na EA, fiquei bem quietinha fazendo piadas internas que relacionavam as palavras sequestro, tortura e sacos. Algo de muito mal gosto, confesso, mas não resisti de comentar baixinho com colegas próximos. Aquela pergunta pode ter gerado algum desconforto, não me lembro de respostas convictas. Ao passo que a roda foi conduzida a assistir a apresentação da Michele Sato.

Do que me lembro houve uma breve retomada na história da EA, que teria tido sua semente no movimento de contracultura de 1960. Ao que um amigo que admiro muito me destacou que esse movimento não seria formado pela população historicamente marginalizada, seriam uma classe média branca, de onde se destacam os futuros teóricos oriundos de uma elite. Essa observação não foi feita na apresentação. Me lembro de ela ter criticado o Black Bloc por não terem ideologia, nesse instante minha expressão congelou, ela teria dito isso mesmo? O amigo disse que não tinha ideologia explícita, o que ainda não me satisfez, pq eu acho que pode-se identificar nesse movimento um "conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas". De fato a articulação não é explícita, o que incomoda por serem uma resistência não conhecida nem controlada.

Ela então mostrou seu trabalho de campo, afirmando uma busca em 3 dimensões:
- epistemológica (estudos acadêmicos),
- práxis (através da militância) e
- axioma (desenvolvimento de valores éticos e morais).
Não estou apropriada desses termos tão cheios de "x", mas me parece um conjunto de ações interessantes para se preocupar um pesquisador!

Aí então algo constante em exposição de educadores que militam, ela esmiuçou alguns conflitos do Mato Grosso, e falou como quem diz as horas, que seus inimigos tem nome, sobrenome, CPF, e só para citar alguns que vocês conheçam ela escolheu Blairo Maggi. Todos lembraram do Eike Batista, mas poucos disseram.

Uma guria desabafou sentir desconforto na utilização desse termo (inimigos). Sabe, nós somos educados a não odiarmos, não fazer mal. Eu sinto isso, sinto essa pressão, essa confusão que me fez por muito tempo transformar revolucionários ativos em santidades divinas que falam doce, pondo de modo quase antagônico revolução e divindade. o Jesus que imaginei durante muito tempo tinha aquela cara meio bocó com que o pintam por aí, e esse Jesus imaginário, meio bocó, passivo e manso era o maior exemplo para se seguir. E na conversa paralela soube que na bíblia original pedia-se para que o Pai promovesse a liberdade da crueldade posta pelo inimigo, provavelmente os poderosos opressores da época. Esse termo foi traduzido para Satanás e mistificado.

Sato, reconhece que cada um tem uma história, não há problemas em a guria sentir essa limitação, mas ela já foi ameaçada de morte, já conheceu pescadores assassinados, já assistiu desapropriação de famílias que viviam da terra para expansão de gado e soja, e sim, esses caras que se beneficiam financeiramente disso não são seus amigos e ela não vê problema nenhum em declarar isso.

Outro guri comentou que deveria ser superada essa dicotomia: amigo/inimigo, bom/mau. Pois afinal, com o poder desses não faríamos nós o mesmo? Sato argumentou que não é uma classificação ingênua e romântica que ela faz, é um deixar claro, dar nomes. E pôs um slide com a frase que traduz a ideologia de Freire "quando a educação não é transformadora o sonho do oprimido é se tornar opressor".

Houve outro desabafo de um amigo que passou de bonde por uma favela pacificada enquanto uma carioca engajada lhe narrava que na pacificação centenas de crianças foram assassinadas pela PM e as famílias não puderam nem velar e enterrar seus corpos que sumiram na mão da corporação que protege o Estado. Sem entrar no mérito de bandido ou não, bom ou mau, estamos falando de crianças e não se chocar com uma notícia dessa é deplorável. Se identificando o inimigo é difícil promover alguma mudança, não identifica-los torna a tarefa impossível.

Eu penso como essa campanha velada, pintada de cor de rosa, que apela para que amemos a todos, só vejamos e falemos o bem, e nhe-nhe-nhé nos torna cumplices de uma opressão cotidiana, ou nos faz não querer enxergar as injustiças que ocorrem diariamente e nos impede de falarmos francamente sobre isso. Me lembro o trecho de um documentário que o ativista negro contava a seguinte história:

- Uma mãe negra, moradora da periferia, trabalha de doméstica numa zona nobre. Certo dia, seu filho não tem aula e ela pede para leva-lo ao serviço. Do ônibus os olhinhos da criança vão admirando a transformação da paisagem e sem se conter comenta "mãe, como esse bairro é bonito! as ruas são pavimentadas, existem jardins, praças, árvores, não há lixo acumulado nem esgoto correndo". A mãe responde "é por que esse é um bairro de rico". Ela não poderia ter respondido que esse é um bairro de branco? tendo em vista a porcentagem de negros nesse bairro e no dela?

O que vemos é um racismo velado. O que faz com que muitos digam com um sorriso no rosto, cheio de amor no coração que não existe racismo no Brasil. Que não existem algozes na injustiça social e ambiental cotidiana, e que a condição social é fruto unicamente de mérito e a crise ambiental culpa tua que deu descarga mais do que deveria.

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