sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A limpeza étnica e social

Balneário Cassino... o pouco que sei o balneário foi constituído para ricos usarem da hidroterapia, segundo meu professor de história havia a recomendação de 3 imersões totais pela manhã, às 6 horas da manhã. Havia bonde para trazer a elite, construiu-se nobres hotéis para atender o nobre público.

Atualmente, a estação de trem virou um museu esporádico, que às vezes abre no verão. O bairro, quando me mudei em 2007 era composto basicamente de estudantes e aposentados (alguns dos quais, imagino, com ares de antiga realeza), e tinha algumas lojinhas e restaurantes que em sua maioria abriam apenas no veraneio.

Por essa mesma época, Rio Grande recebeu a "grandessíssima oportunidade" de receber um pólo naval, capaz de sacudir a cidade e trazer a palavra tão querida desenvolvimento. Acontece que ou não sabem ou não querem saber que o que os tomadores de decisão chamam de desenvolvimento é na verdade crescimento. E então, fomos obrigados a assistir um dia após o outro a chegada de ônibus recheados pessoas em busca de uma boa oportunidade de emprego (mas, que na realidade são constrangidos a atuar como mão de obra barata oriunda da periferia de outros estados). Esses camaradas foram obrigados a dividir um quarto entre dez, e nós, pacatos cidadãos pudemos assistir os valores dos alugueis e imóveis triplicarem, obviamente sem nenhuma melhora na infraestrutura. Estrada perigosa, um mísero postinho de saúde, 2 escolas pequenas e precárias, ausência de rede de esgoto, transporte público caro e ineficiente e por aí a fora. Ou seja, um baita desenvolvimento.

Mas o show tem que continuar. E Rio Grande, crescendo como está atraiu para a nossa grande sorte e alegria (sqn) dois shoppings centers. E sabe como é, temos que repensar a cidade. Vista para o mar é algo que cativa. Uma das famílias que explora a cidade, digo que gera empregos, tem um terrenão na beira do mar dando sopa, já foi parque de diversões, já teve aqueles espaços de verão, é usado anualmente para a grande festa de iemanjá que atrai visitantes de todo o estado (uma classe de visitantes não muito bem vista pela elite). Por ali também funciona uma rodoviária que pessoas de baixa renda usam para se locomover. Para "valorização" (puramente econômica)  da região essa rodoviária já está sendo mandada para longe.

E segundo o presidente da ONG Nema, em 2011 o plano diretor do município foi alterado. Veja, havia um grupo de mais de 20 instituições trabalhando nesse plano, quando uma reunião a portas fechadas, composta por alguns membros desse conselho, alterou o plano (sem o consentimento das instituições que vinham trabalhando nele), e qual foi a alteração? Bem, se antes só se permitiam prédios de 4 andares na beira da praia, hoje podem-se erguer grandes edifícios de 16 andares. Mas, calma, apenas na região "polo 2", justamente onde por grande sorte do destino nossa querida família Guanabara tem o seu terreno!

E então, depois de 3 grupos projetarem CINCO PRÉDIOS DE 16 ANDARES NA BEIRA DA PRAIA, e divulgarem em imobiliárias, e colocarem outdoor  no terreno com contato (possivelmente estudando o mercado) houve ontem uma audiência pública, muito mau divulgada. E lá fui eu...

Ouvir que o cassino vai ter a oportunidade de ver um prédio moderno, com estudo paisagístico. E que haverão 600 vagas e mais de 1.000 moradores. Aberto para intervenção, as dúvidas iniciais foram sobre o esgoto, uma vez que o esquema em todo o bairro (com exceção de duas ruas) é por fossas. Segundo o empreendedor haverá ligação com a estação de tratamento, o que muito nos estranha, pois segundo uma moradora contemplada com esse tratamento disse que seu primo que mora a meia quadra da rede procurou a corsan, dizendo que pagaria a instalação necessária e obteve a resposta de que não seria possível ter seu esgoto tratado. Questionou-se também como seria o abastecimento de água e energia, uma vez que é muito comum haver interrupção destes. Num dos comentários o empreendedor disse que não cabe a eles resolverem esse problema. Acontece meu amigo, que se não há a possibilidade de atender o que já está o que dirá enfiar mais 1000 pessoas.

Diria eu que 99% dos presentes estavam extremamente descontentes com o empreendimento. Houve nas manifestações referências ao fato de que, usando um marketing da apresentação, o prédio seria o céu dos moradores e o inferno dos cassinenses. Isso porque quem mora a 40 anos aqui e está acostumado a abrir a janela do segundo piso e ver o mar, vai agora ter a oportunidade de ver uma moderna parede. Quem surfa, caminha, anda ou pedala pela praia vai poder ver de qualquer lugar o belíssimo empreendimento, que vai fazer uma sombra monstruosa na já tão fria praia. Além de canalizar o vento e oprimir os transeuntes, mas segundo o empreendedor, até as árvores estão acostumadas, quando uma cresce mais faz sombra, e elas convivem harmoniosamente, oras.

Os corretores também se manifestaram, quando muitos questionaram o valor dos imóveis que seria para poucos e em nada iria resolver o deficit habitacional da cidade, que está tenebroso, como disse, os aluguéis caríssimos proibitivos para quem vive com um salário mínimo. A resposta foi "não sejamos ingênuos, essa área tem um valor maior", a corretora ainda disse que estávamos (nós que nos opomos ao empreendimento) sendo egoístas, pois já temos nossa residência e tem muito estudante que a procura para comprar algum imóvel (possivelmente não no valor de 400.000 reais, mas enfim). E uma sra megablaster reacionária ainda disse que esse empreendimento traria oportunidade de emprego para os que não tem educação para serem mais do que faxineiros mesmo. Bem, a oposição não é exatamente de que se construa novas moradias (embora esse inchaço não esteja sendo nada positivo), que se fizessem prédios menores, como os que já pululam no bairro, ou afastados do mar. Mas, se apropriar da praia, da vista dessa forma?! Qual o ponto mais positivo do Cassino que não sua atmosfera tranquila? Agora um alô para reacionaríssima amiga do HU...

Minha senhora, se tu e uns tantos pensam que remover a rodoviária e criar uma atmosfera hostil vai fazer com que os não herdeiros (ou pobres) fiquem afastados, quietinhos em suas casas, que aceitem pacificamente sua exclusão, e venham apenas para trabalhar, em péssimas condições como já ouvi inúmeras queixas, nos caixas do super guanabara, ou fazer a faxina no prédio guanabara, ou recolher o coco do cachorro da sra e de suas amigas, me desculpe, mas acredito que a sra vive num mundo que não existe.
Favelização semelhante marca a história de toda nossa costa, tendo morado no Rio de Janeiro a sra deveria saber. E o resultado é apenas o óbvio aumento da violência. E pode erguer muro, colocar cerca elétrica, câmaras, segurança particular, chamar o diabo, nada adianta. Porque é um cenário de exclusão construído para isso. Pensar num bairro zoneado entre ricos com acesso a infraestrutura e pobres (que, meu deus, vocês que reclamam das ruas do cassino, já andaram no querência depois de chuva?!) e pensar que a única relação pacífica será o agradecimento pela oportunidade de servir de mão de obra é NOJENTO.

ps.: a audiência pública foi de caráter consultivo. ou seja, cerveja!

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