Esses dias conversando com um amigo ele falou que foi tão
estranho ver um catador de latinhas, ninguém sabia muito o que fazer, se
olhava, se oferecia ajuda, se chamava a polícia... Isso porque Rio Grande é uma
cidade pequena, que muito embora tenha (tido sempre) graves problemas sociais,
mendicância não fazia parte de seu cenário urbano. Mas, agora é uma cidade "desenvolvida".
Nas metrópoles é comum ver mendigos dormindo nas ruas,
crianças pedindo esmolas. E as pessoas acabam por se acostumar com isso. Eu não
sei muito bem como funciona, eu penso que é tão doloroso encarar a realidade que
o cérebro cria diversas formas de distanciar de nós esse sofrimento.
Em mau discurso religioso se torna motivo para que agradeças,
“veja todos os pobres e desprovidos, e você, que tem tanto, tem que agradecer
tudo o que tem”. Meio desagradável a gratidão baseada na desgraça alheia. Uma
gratidão desesperada, movida pelo medo de se tornar pobre. Como se aquele
tivesse sido ingrato, e por isso punido.
Então, o cidadão metropolitano segue trabalhando,
agradecido. Aliás, foi devido ao trabalho duro que seus avós vindos da Europa
conseguiram enriquecer. O trabalho dignifica e quem inventa qualquer desculpa
para não trabalhar não passa de um preguiçoso encostado. Trabalhar e pagar
imposto é a única coisa que faz de um homem importante. Tem esse senso comum de
que os pobres são preguiçosos. Nem cogitam a possibilidade de que a pobreza
seja “produto de processos sociais precisos de despossessão, disciplinamento e
exploração, para a produção de bens e riquezas que são apropriados por outrem”*.
Afinal, mesmo que o trabalhador venha a sentir alguma
compaixão por um mendigo, ele não teria tempo de ajudar. São muitos mendigos e
ele tem um trabalho muito importante. Eu não sei, as vezes me sinto meio inútil
no meu mestrado, penso que eu deveria fazer outra coisa, sabe, mas aí quando
vou à São Paulo e converso com pessoas que tem um ar de importância fico
desconcertada... Uma está num importantíssimo “case”, é de uma megaempresa que
tem vários produtos em diversos países, e no caso da pasta de dentes as
fábricas passaram a fabricar tampinhas diferentes em cada país. Então, ela está
à semanas debatendo com um grupo um modo de padronizar as tampinhas de pasta de
dentes. Imagino que a coordenadora do case deve ter viajado para diversos
países e estudado suas tampinhas de pasta de dentes. É claro que quem tem algo
tão importante para se preocupar não pode perder tempo com os milhares de
mendigos que morrem de frio pelas ruas da cidade.
Eu acredito que talvez, inconscientemente, a impotência diante
do atual cenário parece tão desesperador que passemos a engrossar nossa casca.
A nos protegermos detrás de uma indiferença que nos distancia dos outros seres
humanos e nos impede de sentir suas dores. Aparentemente essa é uma medida
inteligente. Acontece que pelo que tenho visto não funciona. Uma hora ou outra
estoura uma crise interna. Não tem para onde fugir, se fechar em si próprio não
é a solução que vai resolver os problemas sociais, isso só agrava, o torna
conivente com essa situação, e o pior nos distancia mais e mais da sonhada
felicidade.
Tenho a sensação de que estamos sempre nos distraindo, com
trabalho, com lazer, consumo, família, dramas pessoais e nos distanciando do que
realmente importa.
*trecho do livro O que é Justiça Ambiental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Nos eduquemos juntas.