domingo, 2 de junho de 2013

Casca Grossa

Esses dias conversando com um amigo ele falou que foi tão estranho ver um catador de latinhas, ninguém sabia muito o que fazer, se olhava, se oferecia ajuda, se chamava a polícia... Isso porque Rio Grande é uma cidade pequena, que muito embora tenha (tido sempre) graves problemas sociais, mendicância não fazia parte de seu cenário urbano. Mas, agora é uma cidade "desenvolvida".
Nas metrópoles é comum ver mendigos dormindo nas ruas, crianças pedindo esmolas. E as pessoas acabam por se acostumar com isso. Eu não sei muito bem como funciona, eu penso que é tão doloroso encarar a realidade que o cérebro cria diversas formas de distanciar de nós esse sofrimento.
Em mau discurso religioso se torna motivo para que agradeças, “veja todos os pobres e desprovidos, e você, que tem tanto, tem que agradecer tudo o que tem”. Meio desagradável a gratidão baseada na desgraça alheia. Uma gratidão desesperada, movida pelo medo de se tornar pobre. Como se aquele tivesse sido ingrato, e por isso punido.
Então, o cidadão metropolitano segue trabalhando, agradecido. Aliás, foi devido ao trabalho duro que seus avós vindos da Europa conseguiram enriquecer. O trabalho dignifica e quem inventa qualquer desculpa para não trabalhar não passa de um preguiçoso encostado. Trabalhar e pagar imposto é a única coisa que faz de um homem importante. Tem esse senso comum de que os pobres são preguiçosos. Nem cogitam a possibilidade de que a pobreza seja “produto de processos sociais precisos de despossessão, disciplinamento e exploração, para a produção de bens e riquezas que são apropriados por outrem”*.
Afinal, mesmo que o trabalhador venha a sentir alguma compaixão por um mendigo, ele não teria tempo de ajudar. São muitos mendigos e ele tem um trabalho muito importante. Eu não sei, as vezes me sinto meio inútil no meu mestrado, penso que eu deveria fazer outra coisa, sabe, mas aí quando vou à São Paulo e converso com pessoas que tem um ar de importância fico desconcertada... Uma está num importantíssimo “case”, é de uma megaempresa que tem vários produtos em diversos países, e no caso da pasta de dentes as fábricas passaram a fabricar tampinhas diferentes em cada país. Então, ela está à semanas debatendo com um grupo um modo de padronizar as tampinhas de pasta de dentes. Imagino que a coordenadora do case deve ter viajado para diversos países e estudado suas tampinhas de pasta de dentes. É claro que quem tem algo tão importante para se preocupar não pode perder tempo com os milhares de mendigos que morrem de frio pelas ruas da cidade.
Eu acredito que talvez, inconscientemente, a impotência diante do atual cenário parece tão desesperador que passemos a engrossar nossa casca. A nos protegermos detrás de uma indiferença que nos distancia dos outros seres humanos e nos impede de sentir suas dores. Aparentemente essa é uma medida inteligente. Acontece que pelo que tenho visto não funciona. Uma hora ou outra estoura uma crise interna. Não tem para onde fugir, se fechar em si próprio não é a solução que vai resolver os problemas sociais, isso só agrava, o torna conivente com essa situação, e o pior nos distancia mais e mais da sonhada felicidade.
Tenho a sensação de que estamos sempre nos distraindo, com trabalho, com lazer, consumo, família, dramas pessoais e nos distanciando do que realmente importa.

*trecho do livro O que é Justiça Ambiental.

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