quinta-feira, 14 de novembro de 2013

você é mil reais legal

economicismo.

Não sabemos o valor de nada, mas sabemos o preço de tudo. O custo do serviço ambiental dos oceanos é de 2 trilhões de dólares! Ainda estou tentando entender o que significaria isso. Acho que seria como dizer: gosto 300 mil reais de você. Penso que analisar as coisas em valores e gráficos é tão simplista que tem nos deixado burros, e obcecados em simplificar as coisas para a superioridade do valor monetário, para a Lei suprema do custo-benefício. Temos que comparar as coisas e fazemos isso em cash. Eu lembro de sair de alguns encontros com amigos e comentar com meu namorido, "valeu a pena ter gasto x com isso". Com o tempo, observando, lendo, pensando, meditando, me dei conta o quão mesquinho é avaliar as coisas por dinheiro, ir esperando que um encontro seja pelo menos "20 reais legal". E fui me libertando desse tipo de julgamento, ainda penso em valores monetários porque ando obcecada por quem não tem dinheiro. Quando me dizem de um curso, um isso, um aquilo eu só penso, se não fosse pela minha bolsa eu não poderia saber yoga, aprender sobre culinária vegetariana, viajar... se eu não tivesse um número de matrícula da FURG não poderia retirar livros. LIVROS!

Ontem saímos de uma palestra sobre PSA, pagamento por serviços ambientais. Eu olhava para a mulher da Embrapa, lia os slides, olhava para o lado, anotava alguma coisa, riscava, tornava a ouvi a mulher, sentia uma coceira. Tentei elaborar uma pergunta, tentei formar uma opinião, e nada! Pensava "cérebro preguiçoso, acho que emburreci... foi de tanto procrastinar, só pode". Quando terminou a palestra e eu me senti muito mal por me sentir aliviada (como quando terminava a aula na 6ª série) abriu-se para as perguntas e meu desespero aumentou, as pessoas se interessavam e faziam perguntas e se entendiam! Eu olhava para um, conseguia distinguir uma frase ou outra, mas parecia que falavam coreano.

Para o meu enorme alívio, minha amiga, que parece ter uma linha de raciocínio um pouco semelhante a minha me cutucou e falou: "Você também não acha que isso está muito coisificado?" 79 quilos sublimaram de meus ombros naquele exato instante. Apesar de não saber bem o que ela quis dizer com "coisificado". Respondi feliz que sim, e clamei para ela "fala com a moça, faz uma pergunta" tipo traz essa galera para onde eu possa alcançá-los. Ela me olhou com cara de reticências e eu falei "não dá nem para elaborar pergunta, né?!".

A ideia é a seguinte identifica-se o serviço ambiental de um determinado bioma, diagnostica as ameaças ou o motivo de degradação, e intervém monetariamente sobre essa ameaça. Ela deu um exemplo muito infeliz de um proprietário que cria gado, e não respeita a APP, prejudicando assim o recurso hídrico. Então, o governo paga para que ele cumpra a lei, cerque a área, replante e pode até pagar pelo que ele deixou de produzir! Putz, isso nem no meu maior pesadelo parece uma boa ideia. Jura por Deus que aquela mulher estava falando com esperanças e que nós estávamos numa sala debatendo esse assunto? Que por sinal é Projeto de Lei...

Eu ainda tentei num ato de desespero mostrar o que estava se passando comigo naquele instante. Enquanto eles debatiam que ainda precisava definir de onde sairia essa verba, um dizia "do fundo de meio ambiente", outro dizia "dos royalties", eu me contorcia. E me expressei mal quando disse, meio berrando enquanto meu coração fazia o favor de mandar todo meu sangue para minha fuça, "os beneficiados deveriam pagar, a indústria leiteira, ou no exemplo que o amigo deu que o porto pagaria para amenizar o assoreamento na bacia... o..." eu ia continuar meu argumento quando a mulher me cortou e disse "eu vou falar sobre isso". Sobre o exemplo, mas o que eu gostaria de dizer é que isso só pode fazer algum sentido quando se encontrar a causa da pressão. O camarada não planta fumo para vender na feira, ele planta para alimentar a indústria do tabaco. A multinacional Suíça (Nestlé) exerce muita influencia e pressão nos pequenos produtores. Então, como é que o governo vai pagar (continuar pagando) para uma pressão que não é nossa (nós aqui somos os pagadores de imposto)? Que se cobrasse uma taxa de serviços ambientais sobre as indústrias que geram essa pressão.

Ai, minha filha, mas daí fica muito caro produzir. Eles já tem que pagar tanto imposto, tanta taxa...

Ué, como caro? Fica o preço real. Se internalizar custos torna um modo de produção inviável é porque ela JÁ É inviável. Assim, como os subsídios fantasiam um lucro irreal na pesca. Assim, como se a levis resolver internalizar o custo de despoluição, pagar salários justos, respeitar direitos humanos ela quebra!

Ok, querida, mas e se esse modo é inviável vamos ter que parar de tomar leite? Parar de usar calça jeans?

Bem, essa opção me parece mais adequada do que seguir explorando mão de obra escrava, cuspindo no termo "direitos humanos" em busca do país mais miserável (ou de tornar um país miserável) para levar a grande oportunidade da vida deles de trabalharem como escravos (isso é gerar emprego), seguir poluindo e contaminando. Maaas... penso que não chegamos "tão longe" em termos tecnológicos para termos que voltar a andar nus, e investir todo nosso tempo cultivando nosso próprio alimento. Penso que podemos encontrar uma outra alternativa para isso. Não travestir o velho de novo.

Mas, para tornar viável a elaboração e execução dessa alternativa temos que nos dar conta de que esse desenho de sociedade é insustentável. E que nada vai mudar isso, pode inventar a lei que for, pagar o quanto quiser, valorar o que for. Enquanto os verdadeiros poluidores seguirem inatingíveis nada vai mudar de fato e vamos ficar só tapando buraco, e para cada buraco tapado abre-se mais 10.

Se tem uma sugestão de pós-capitalismo que eu gosto é o do Projeto Venus.

3 comentários:

  1. Vi o vídeo do velhinho falando sobre a tal "resource based economy"... Me parece a receita ideal de uma distopia....
    Um mundo globalizado, comandado por uma elite de técnicos que "planejam" e "ordenam" todos os recursos do planeta de forma a maximizar a utilização sustentável do mesmo.... Já imagino as decisões "técnicas" sendo tomadas: limitação de natalidade, eugenia e melhoramentos genéticos humanos, realocações em massa, limitações nas liberdades individuais (incluindo qualquer religião que possa influenciar na tomada de decisões "racionais").... Aliais o ideal seria criar alguma inteligência artificial que tomasse todas as decisões "sem paixões" de forma a "maximizar" o bem estar humano e sustentável.... Hum...... Pensando bem obrigado mas eu passo (acho que já vi esse filme antes e normalmente ele não acaba bem)

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  2. Que engraçado, pois quando eu vi esse projeto eu na hora lembrei de você, e do que você disse sobre o que pensa do futuro em que máquinas trabalhem para que homens possam ter mais tempo de lazer e cultura...
    E por sinal, realocações de massas ocorrem diariamente no Brasil hoje (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,relatora-ve-remocao-forcada-para-copa-e-pac,701838,0.htm) e as decisões tomadas são totalmente economicista e por uma elite...

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    1. Sim.... mas acho que isso tem de ocorrer através de um sistema que não introduza "castas" de uma forma implícita.... Essa é uma longa e ótima discussão para termos pessoalmente :-). Beijos e saudades

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Nos eduquemos juntas.