terça-feira, 2 de outubro de 2012

Desenvolvimento para quem?


No fundo do meu peito eu sempre senti uma repulsa por megaempreendimentos. Acho que sou muito ambientalista, e gostaria de preservar todas as paisagens naturais. Mas, eu entendo que a tecnologia é algo positivo e benéfico, etc coisa e tal. Além do mais tem todo aquele discurso, que costuma me espremer contra a parede e calar meus argumentos sentimentais: Empreendimentos geram renda e emprego. Que coisa linda, sem dinheiro ninguém pode fazer nada, correto?!

Pois bem, tive a felicidade de conhecer inúmeras pessoas que sentem, como eu, que tem algo muito errado nisso tudo. São pessoas mais experientes e bem informadas, que me ajudaram a entender porque eu sinto isso e porque devo dar mais ouvido ao meu coração do que aos argumentos (supostamente) lógicos.



Vamos começar com a fabulosa geração de renda. Aqui em Rio Grande, tivemos o enorme privilégio de receber um Pólo Naval! Que beleza, geração de renda para o município... Bem, na realidade, que não foi discutida, debatida, se quer informada aos locais, uma porção muito pequena do imposto fica na cidade. O que fica são os (irrisórios) salários. Por outro lado, a população da cidade aumenta a olhos vistos (todos querem morar em uma cidade rica, correto?) demandando mais serviços, como transporte, saneamento, educação... A poluição, inevitavelmente, aumenta, pelo número de carros e máquinas, aumentando problemas de saúde, que novamente demandam serviços de saúde. Acontece, que essa nova população não tem como ser contabilizada (ninguém transfere título de eleitor), impedindo que a prefeitura reivindique (de volta) a verba do governo federal! De onde se conclui que, no nosso caso, os empreendimentos estão empobrecendo o município. A esperança é que com esse punhado de gente possa se fortalecer o comércio local, e a criação de iniciativas mais positivas.

Todos aplaudem a criação de empregos! Vamos começar essa conversa esclarecendo a impossibilidade de se criar emprego, ok?! Isso não existe, o que acontece é a empresa, fábrica, ou seja lá o diabo que for, se utilizar da mão de obra disponível, assim, podemos ter claro quem é que depende de quem. Continuando com o exemplo de Rio Grande, a mão de obra foi trazida do Rio de Janeiro, sabe-se Deus porque, a enormidade de cursos técnicos continuou formando “desempregados”, e nossos amigos cariocas, foram convidados a se retirar de sua cultura, deixar sua família, para vir se enfiar num lugar frio e ventoso. Esses amigos moram em casas antes alugada para estudantes (a preço de banana) no inverno e a turistas no verão, agora são alugadas num valor altíssimo o ano todo e comportam uma média de 10 pessoas por quarto! Já deu para notar um conflito ou devo esclarecer melhor o choque cultural?

Se você ainda está afim de ler mais um pouco, podemos continuar nossa conversa! Eu penso que apesar dos pesares e do meu coração doer imaginando os novos índices de violência, drogadição e prostituição da minha cidade, apesar de ver o pampa ser transformado (para não dizer reduzido) à shopping center, reconheço que o tal polo naval tem por objetivo fortalecer a soberania nacional. Estamos fazendo plataformas para a recém-nascida indústria do pré-sal. Que, bem ou mal, vai empoderar a nação.

Agora, peço licença para comentar outro caso de megaempreendimento. Esse se passa aqui do lado. O Uruguai é um país que muitos consideram “parado no tempo”, hoje acho que é (ou costumava ser) muito a frente do nosso tempo! As pessoas são tranquilas, simpáticas e felizes, não há discrepância educacional, todos pensam, independente de sua renda ou ocupação. Bem, não existem shoppings center (estou falando da região de La Paloma, que conheço melhor), e as pessoas pagam mais caro em alimentos com qualidade absurdamente superior a nossa, elas não trocam de carro a cada ano e desconfio que algumas não possuam celular. O leite, imaginem só, tem gosto de leite!

Mas, da última vez que tive o privilégio de estar lá, notei uma nova estrada, totalmente desnecessária, pois o trafego de veículos é irrisório. Perguntei: porque essa estrada? É para o novo porto! Sim, o Uruguai está se “modernizando”, alguns diriam até, se desenvolvendo. Em La Paloma, já estão construindo o porto para o transporte das madeiras. Isso mesmo, já existe uma enorme plantação de pinus nas margens do Rio da Prata, plantação essa que criou conflito com os Argentinos, expulsou camponeses (pequenos agricultores) concentrando as terras nas mãos de poucos (gringos), secou arroios e lagos, alterou a paisagem local e vem empobrecendo o solo. Essa madeira agora vai escoar via La Paloma, para que algum país a manufatur e revender cobrando 100 vezes mais.

Outro progresso que vem agraciando o Uruguai, é a construção de portos de profundidade, esse eu não sei exatamente onde vai ser, e seu objetivo, além de criar emprego e renda (fictícios) será o escoamento das, já ativas e atuantes mineradoras! Claro, você pode imaginar que a demanda interna do Uruguai por minério é nula, como disse, as pessoas costumam ser pessoas e não mini-bancos, elas não necessitam circular capital para sentirem que fazem parte do mundo.
Agora, que alcançamos o limite planetário (verdadeiro motivo das crises), que ninguém expõe na mídia, pois eles estão ocupados tentando te vender shampoo, o Uruguai passou a ser rico em ouro, pode-se extrair até 100g do minério em 1ton de solo!!! Sim, sim, fica um rombo fenomenal, e a quantidade de (sub)empregos e renda gerada não necessita maiores discussões, correto?! No congresso em que eu estive, foi dito que na realidade, a mineração, por impedir outras atividades, gera na realidade um deficit de empregos, ao impedir a pecuária. Isso sem entrar no mérito que parte desse minério volta ao país na forma de “cacarecos” chineses. Por exemplo, compra-se a panela importada, por apelo comercial, num impulso natural de inovação e até pelo valor, e deixa-se de alimentar o pequeno comércio de panela de barro, até o momento em que ninguém mais sabe fazer panela de barro e passa a depender dos produtos industrializados importados.

Foi interessante, nesse feriado em que estive em La Paloma, foi a primeira vez que ao ver baleias não senti paz, harmonia, tranquilidade e esperança. Sob um céu azul, eu vi as pessoas se juntarem na praia para admirar as baleias, que sem saber o que se passa sobre as mesas dos tomadores de decisão, nadavam próximas à areia amarela. E aquelas pessoas apenas olhavam, esse é o passatempo em La Paloma, admirar a vida marinha, eles não gritavam, ou aplaudiam, eles não tiveram que pagar para isso, eles estavam apenas acalmando a alma, pertencendo àquela “vibe”, e isso era horário comercial de dia "útil". E eu, importunando a atmosfera pacífica, me perguntava se eles vão conseguir se dar conta do que está se passando antes que seja tarde de mais. Me perguntava se, assim como os corais e a vida marinha de Angra dos Reis, que não existe mais, terei que guardar as baleias de La Paloma na memória, para tentar passar só um pouquinho dessa sensação para minhas sobrinhas, se elas tiverem tempo e curiosidade de saber...


2 comentários:

  1. Adorei esta parte "esclarecendo a impossibilidade de se criar emprego, ok?! Isso não existe, o que acontece é a empresa, fábrica, ou seja lá o diabo que for, se utilizar da mão de obra disponível, assim, podemos ter claro quem é que depende de quem."Mandou bem Keith!!! Precisamos de espaços como o seu, espaços com informação inteligente com contexto e complexidade para fornecer subsídios para nossa reflexão. Mandou muito bem!!!

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  2. Muuuuito obrigada pela visita, apoio e incentivo, Bel! Me sinto mesmo muito honrada e feliz, pois te admiro e respeito muitão seu conhecimento e opinião. E essa de "criar emprego" é sempre o argumento devastador para aprovar empreendimentos devastadores com o apoio da geral, preocupante.

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Nos eduquemos juntas.